O trigo (Triticum aestivum L.) é oriundo do sudeste da Ásia e pertence à família Poaceae, destaca-se como um dos mais importantes cereais da economia mundial, com uma produção anual de 600 milhões de toneladas de grãos. Os principais produtores e exportadores mundiais são: União Europeia, Estados Unidos da América e China. Em contrapartida, os importadores são o Brasil, a China e a Índia. No Brasil, a Região Sul destaca-se na produção deste cereal invernal com mais de 80% do total da produção nacional.
Inicialmente o cultivo do trigo tinha como principal objetivo a produção dos grãos, sendo utilizado como matéria-prima para elaborar pães, massas e biscoitos, bem como, na fabricação de rações para animais. Devido à grande capacidade de produção de biomassa, apresentada por alguns genótipos na fase vegetativa, viu-se a possibilidade de utilizar estes genótipos para a produção da forragem e ainda produzir os grãos.
Desta forma, o trigo de duplo propósito ou de dupla aptidão, é assim designado devido a capacidade que estes genótipos possuem de serem destinados ao pastejo direto da forragem, produção de silagem, feno, pré-secado, cobertura vegetal, adubação verde, os grãos podem também ser destinados a produção de energia aos animais. Para serem considerados de dupla aptidão, as cultivares de trigo devem apresentar:
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rápido estabelecimento no campo;
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alto potencial de afilhamento;
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elevada produção de massa seca por unidade de área;
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tolerância ao pisoteio;
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capacidade de rebrote;
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período vegetativo longo e fase reprodutiva curta;
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elevada qualidade bromatológica da forragem;
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adequado rendimento dos grãos.
Importância da adubação nitrogenada para o trigo
Os grãos do trigo destinados à fabricação das rações expressam cerca de 13% de proteína bruta, 2% de lipídios, 2% de fibra bruta, 2% de minerais e 67% de amido, comprovando sua eficácia quanto à fonte energética aos animais. O cereal é considerado uma cultura com investimento intermediário, mas de alto risco, pois durante seu desenvolvimento pode ser acometido por eventos abióticos e bióticos que podem comprometer seu potencial produtivo.
Diante disso, a adubação nitrogenada caracteriza-se como imprescindível para o crescimento e o desenvolvimento das plantas, pois o nitrogênio fornecido no período de diferenciação celular incrementa o rendimento forrageiro e a qualidade dos grãos produzidos.
Esse contexto pode ser verificado nos demais cereais de inverno, como a aveia e o azevém. O uso do nitrogênio em cobertura no estádio do afilhamento, incrementa o potencial produtivo e a qualidade da forragem, mas, a elevada necessidade desse nutriente pelas plantas reflete em incremento dos custos de produção, pois grande parte dos fertilizantes nitrogenados utilizados no Brasil são importados.
Nos últimos anos têm-se buscado novas estratégias sustentáveis para o setor agrícola, principalmente em relação ao destino dos resíduos excedentes dos sistemas produtivos dos animais, como a cama de aves e os dejetos líquidos dos suínos produzidos em grande quantidade. A utilização adequada doss resíduos minimiza os efeitos negativos ao ambiente, caracterizando-se como uma fonte de nutrientes que pode substituir total ou parcialmente os fertilizantes químicos, vindo a reduzir os custos da produção e maximizando a sustentabilidade do sistema agropecuário.
A cadeia produtiva de aves e suínos é de grande importância para a economia dos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, sendo responsáveis por gerar altas quantidades de resíduos que podem ser utilizados como fertilizantes, pois apresentam alguns dos nutrientes necessários para suprir as carências nutricionais da cultura, podendo minimizar os efeitos nocivos ao ambiente e reduzir os custos da produção. Portanto, o objetivo do capítulo é apresentar e discutir os aspectos relacionados às fontes e o manejo sustentável do nitrogênio para a produção da forragem e dos grãos do trigo duplo- propósito.
Estratégias para aplicação do nitrogênio em trigo duplo-propósito
Dois aspectos fundamentais devem ser considerados no manejo da adubação nitrogenada: a fonte e o parcelamento das doses, com a finalidade de minimizar as perdas por volatilização e lixiviação. Assim, tem-se melhor aproveitamento do nitrogênio pela planta, redução das perdas e manutenção das taxas de acúmulo.
A quantidade do nitrogênio a ser aplicado no trigo com dupla aptidão deve considerar o teor da matéria orgânica do solo e a expectativa da massa seca a ser produzida por hectare. O manejo deve ser ministrado em dois momentos fixos e outros momentos variáveis. O primeiro aporte do nitrogênio deve ser realizado na semeadura, o segundo no estágio do afilhamento, e as demais aplicações devem ser realizadas após cada pastejo ou desfolha. Em geral, indica-se a aplicação de 5 a 20 kg ha-1 do nitrogênio na semeadura e o restante parcelado em partes iguais no afilhamento e após cada desfolha.
O nitrogênio deve ser fornecido na quantidade e período ideal para garantir que a planta consiga alcançar o seu máximo potencial produtivo, seja para a produção de forragem ou de grãos. Assim, o estágio fenológico em que a planta se encontra é o indicador do momento da aplicação. Segundo a escala de Feeks – Large, o ciclo do trigo é dividido em quatro principais fases. No período do afilhamento os níveis do nitrogênio devem estar adequados, pois a carência deste nutriente influencia significativamente na produtividade e na qualidade das forragens e dos grãos.
Fontes de adubação nitrogenada
A ureia caracteriza-se por ser um produto sólido em forma de grânulos e apresenta o nitrogênio na forma amídica (NH2). Apresenta 45% de nitrogênio solúvel em água e sofre transformações no solo, onde altera-se para amônia gasosa (NH3) ou nitrato (NO3). Antes do estado nítrico, apresenta atividade lenta, porém resistente à lixiviação, apresenta-se higroscópica e absorve a umidade do ar.
O nitrato de amônia (NH4NO3) apresenta-se como um granulado sólido, com 33,5% de nitrogênio (N) solúvel em água. Sua principal característica é revelar menor perda por volatilização e menos acidificação do solo ao ser comparado a outras fontes de nitrogênio. Dentre as particularidades agronômicas, revela tempos similares na forma nítrica (NO3) e amoniacal (NH4).
O sulfato de amônio (NH4)2SO4 apresenta 21% de nitrogênio (N) e 23% de enxofre (S) na forma solúvel em água, apresentando-se como um produto cristalizado e pouco hidroscópico. Como vantagem, apresenta menos perdas de nitrogênio em comparação a ureia, pois a forma em que o nitrogênio é encontrado permite sua liberação de forma mais lenta.
É grande o potencial de utilização dos dejetos suínos como fertilizantes, estes resíduos possuem elementos químicos que podem ser utilizados como nutrientes, pois quando adicionados ao solo passam pelo processo de mineralização e apresentam potencial similar aos fertilizantes minerais. Os principais nutrientes verificados nos dejetos líquidos dos suínos são o nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, cobre, zinco e o manganês.
A definição mais prática para a cama de aves é o material utilizado para formar o piso dos galpões das granjas avícolas, composto por palha de arroz, feno de capim, sabugo de milho triturado, serragem, maravalha, penas e restos de rações. Nestes resíduos sólidos há certa fração de nitrogênio que se encontra no processo de mineralização, aminação e amonificação que posteriormente será transformado de nitrogênio orgânico para mineral e então disponibilizado para a planta, em contrapartida o processo apresenta-se extremamente lento.
Manejo sustentável da adubação nitrogenada
Observa-se uma resposta diferencial dos caracteres mensurados frente às modificações impostas pelos ambientes de cultivo, estádios de aplicação do nitrogênio e fontes nitrogenadas, onde os caracteres apresentados a seguir modificam suas respostas frente a cada fator de variação considerado:
Teor da clorofila, área foliar, massa verde da parte aérea e massa seca da parte aérea, altura da planta, massa verde da raiz, massa seca da raiz, concentração do nitrogênio, fósforo e potássio no tecido vegetal, índice da colheita, número de espigas por metro linear, número de espiguetas por espiga, número de grãos por espiga, massa de mil grãos, peso do hectolitro e rendimento dos grãos. |
Os caracteres: área foliar, massa seca da parte aérea, índice da colheita, altura da planta, acúmulo do fósforo e potássio no tecido vegetal, número dos afilhos, número de espiga por metro linear, número de espiguetas por espiga, massa de mil sementes e peso hectolitro, não são modificados frente aos manejos de nitrogênio realizados.
Já a massa seca e verde da raiz, massa verde da parte aérea, teor da clorofila, massa seca por hectare, número dos grãos por espiga e o rendimento dos grãos, são influenciados pelos manejos utilizados.
O teor da clorofila está diretamente ligado a disponibilidade dos nutrientes na solução do solo, especialmente o nitrogênio, este é constituinte das moléculas de citocromos e integrante da molécula de clorofila, portanto, relaciona-se a disponibilidade do nitrogênio às plantas com as taxas fotossintéticas e o acúmulo da biomassa. A área foliar atua na interceptação da radiação solar incidente e os mecanismos metabólicos e fotossintéticos convertem a energia luminosa em energia química na forma de assimilados, estes serão destinados à produção da forragem e grãos de genótipos com dupla aptidão.
O sistema radicular é imprescindível para a absorção da água e dos nutrientes, sendo o suporte mecânico que protege as plantas do tombamento e indiretamente contribui para o incremento da matéria orgânica do solo. A associação entre as diferentes fontes dos nutrientes potencializa a massa verde e seca da raiz. A massa seca da parte aérea ou biomassa é beneficiada pelo manejo, combinando 25% nitrogênio oriundo da ureia e 75% de nitrogênio oriundo da cama de aves.
O índice do clorofilômetro SPAD representa um indicativo indireto do teor da clorofila extraível das plantas, dessa forma, o índice SPAD pode ser correlacionado com a magnitude do nitrogênio aplicado na cultura do trigo. Aplicações da ureia combinadas com a cama de aves incrementam o teor da clorofila. Constata-se que os resultados obtidos com fertilizantes minerais são similares aos obtidos com a cama de aves para o caráter área foliar, nesse contexto, o nitrogênio fornecido ao trigo pode ser oriundo das formas orgânicas, sem que perdas quantitativas para o acúmulo de biomassa e área foliar sejam evidenciadas, essa alternativa minimizará os custos da produção e trará sustentabilidade a atividade agropecuária.
A estatura das plantas do trigo é diretamente influenciada pela adubação nitrogenada. O incremento do acúmulo da matéria seca pelas plantas torna-se benéfico para a melhoria da qualidade do solo, produção forrageira e a produtividade dos grãos. O número dos afilhos é considerado um caráter imprescindível ao trigos de duplo propósito, pois potencializa a produtividade da forragem, acúmulo da biomassa, número das estruturas reprodutivas, grãos e ou sementes por unidade de área, sendo influenciado positivamente quando utilizou-se 25% do nitrogênio oriundo da ureia e o restante através da cama de aves. Tal comportamento é decorrente da lenta transformação, liberação e assimilação do nitrogênio presente na cama de aves e na forma que este estará disponível para as plantas.
O número das espigas por unidade de área não é influenciado pelo manejo nitrogenado nessas condições, o número das espiguetas por espiga, número dos grãos por espiga e o rendimento, são beneficiados pelo manejo que se utiliza, de 25 a 75% do nitrogênio é oriundo da ureia e 75% da cama de aves. Os resultados obtidos remetem que a associação da cama de aves com a fonte do nitrogênio mineral na forma de ureia pode ser uma alternativa para a substituição parcial da adubação nitrogenada utilizada para a cultura do trigo duplo propósito. A massa de mil sementes e o peso do hectolitro não revelam modificações perante os parcelamentos e as fontes do nitrogênio utilizadas. O manejo da adubação nitrogenada modifica a expressão dos caracteres morfológicos e os componentes da produtividade, bem como, influencia na produtividade forrageira e na qualidade bromatológica da forragem produzida por genótipos do trigo duplo propósito.
REFERÊNCIAS
SILVA, J. A. G.; CARVALHO, I.R.; MAGANO, D. A. A CULTURA DA AVEIA: da semente ao sabor de uma espécie multifuncional. 1. ed. Curitiba PR: CRV, 2020. v. 1000. 404p.
CARVALHO, I. R.; SZARESKI, V. J.; NARDINO, M.; VILLELA, F. A.; SOUZA, V. Q. Melhoramento e produção de sementes de culturas anuais – Soja, Milho, Trigo e Feijão. 1. ed. Saarbrücken, Germany: Ommi Scriptum Publishing Group, 2018. v. 50. 229p.
CARVALHO, I. R.; NARDINO, M.; SOUZA, V. Q. Melhoramento e Cultivo da Soja. 1. ed. Porto Alegre: Cidadela, 2017. v. 100. 366p.
Autores:
Ivan Ricardo Carvalho – Professor Pós Doutor – Melhorista de Grãos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
Danieli Jacoboski Hutra – Engenheira Agrônoma – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sistemas Ambientais e Sustentabilidade da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
Aline Danielle Novello Silva – Estudante de Graduação em Agronomia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
Victor Delino Barasuol Scarton – Estudante de Graduação em Agronomia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.