O uso de antimicrobianos na produção animal
A atividade pecuária representa importante parcela do produto interno bruto (PIB) do nosso país, além de ser a principal fonte de renda para milhares de famílias brasileiras. Esses importantes índices alcançados se devem às melhorias na cadeia produtiva que permitiram um preço mais acessível aos consumidores e, consequentemente, maior lucro nas últimas décadas. Parte desses altos níveis de produtividade se deve à implementação de antimicrobianos à produção animal, com a finalidade de reduzir perdas associadas a doenças, melhorar o desempenho e promover saúde.
Aplicações dos antimicrobianos na produção
A história dos antimicrobianos e a produção animal já existe desde a década de 1950. Comumente, eles são utilizados como modo terapêutico, para tratar infecções bacterianas pré-estabelecidas. O tratamento pode ser realizado individualmente ou por terapia em massa (ração ou na água). O uso profilático é preventivo, medicando os animais que têm chances de adoecer, evitando os sintomas clínicos da doença. Por fim, o uso de antibióticos como promotores de crescimento (AGP), refere-se à inclusão de antibióticos nas dietas dos animais para aumentar o ganho de peso e melhorar a conversão alimentar dos animais.
Durante muitos anos, as aplicações foram realizadas sem nenhuma restrição, o que resultou no surgimento de animais com infecções que não conseguiam ser tratados por essas mesmas drogas. Este fato despertou a atenção da comunidade científica que começou a debater sobre a possibilidade do surgimento e disseminação desses patógenos resistentes entre os seres humanos. Dentre as aplicações dos antimicrobianos na produção animal, de longe, o uso de AGP é o mais controverso, pois o fornecimento dessas drogas em concentrações subinibitórias contribui para a seleção de bactérias multirresistentes que podem alcançar os seres humanos através da cadeia produtiva animal.
Uso de antibióticos como promotores de crescimento (AGP)
Atualmente, o Brasil possui leis que proíbem o uso de antimicrobianos com essa finalidade de promoção de crescimento. Porém, até outubro de 2016, não haviam restrições sobre o uso de alguns antibióticos para esta finalidade, incluindo o sulfato de colistina, que é considerado um dos antibióticos de último recurso para o combate às infecções causadas por bactérias multirresistentes em pacientes em estado grave. Apesar disso, em países como Japão, Vietnã, Índia e Áustria o uso deste e outros antimicrobianos de importância clínica seguem liberados para a promoção de crescimento. Por outro lado, com base no risco de surgimento de bactérias multirresistentes devido ao uso de antibióticos na produção animal, vários países da União Europeia proibiram o uso de AGPs na pecuária. Além disso, suspenderam a importação de produtos de origem animal de países que não seguiam essa prática em sua produção.
Consequências do uso excessivo de antibiótico
Diante do surgimento desenfreado de bactérias multirresistentes, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a considerar as bactérias multirresistentes como um desafio de saúde pública global. Anualmente, mais de 700.000 mil mortes decorrentes de infecções por bactérias multirresistentes são relatadas no mundo e estes números seguem crescendo sem perspectiva de queda. Estudos têm enfatizado de modo categórico que o uso de antimicrobianos na produção animal é um dos principais fatores que contribuem na seleção e disseminação de bactérias multirresistentes, principalmente devido ao uso inadequado dessas drogas no manejo e produção dos animais.
Outro fator que agrava a situação é a questão da dificuldade de fiscalização e vigilância sobre o uso inadequado dessas drogas. Em muitas regiões, os antibióticos de uso veterinário são liberados para venda livremente sem a necessidade de prescrição veterinária. Neste contexto, medidas drásticas de monitoramento e ampla fiscalização sobre a comercialização dessas drogas se faz necessário. Além disso, a conscientização sobre o uso racional dos antibióticos por parte da comunidade de produtores e profissionais da cadeia produtiva animal é considerada um importante avanço no combate às bactérias resistentes.
Referências
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