Parte II: Compreender o solo, a sustentabilidade e os fundamentos do manejo do solo
Nessa segunda sessão iremos abordar os fundamentos do manejo para a qualidade dos solos agrícolas e para a produtividade das culturas.
O solo e a sustentabilidade
Como vimos anteriormente, o solo é um sistema aberto. O sistema solo-planta, por sua vez, também é aberto termodinamicamente. Nesse sistema, a sustentabilidade é atingida quando há um equilíbrio entre os processos denominados dissipativos e ordenativos (ADDISCOT 1995).
Os processos ordenativos podem ser compreendidos como aqueles que aumentam a complexidade do meio. Por exemplo, a fotossíntese é um processo que cria moléculas de glicose a partir de moléculas simples de CO2 (Figura 1). Esse processo aumenta a complexidade de organização, uma vez que produz uma nova molécula estável (C6H12O6) a partir de outras seis moléculas estruturalmente mais simples (CO2).
Já os processos dissipativos podem ser compreendidos como aqueles que reduzem a complexidade do meio. A respiração, por exemplo, é um processo inverso à fotossíntese, onde moléculas de glicose são quebradas e liberam outras moléculas estruturalmente mais simples para a atmosfera CO2 (Figura 1).
Segundo Addiscot (1995), os processos ordenativos e dissipativos podem ser biológicos e físicos. Os mesmos estão apresentados na tabela abaixo.
Processos ordenativos |
Processos dissipativos |
Biológicos |
|
Fotossíntese |
Respiração |
Crescimento |
Senescência |
Formação de matéria orgânica |
Decomposição da matéria orgânica |
Físicos |
|
Fluxo de água (desenvolvimento do perfil) |
Fluxo de água (erosão, lixiviação) |
Floculação |
Dispersão |
Agregação |
Desagregação |
Desenvolvimento de estrutura |
Decomposição da estrutura |
De modo geral, a predominância de processos dissipativos em relação a processos ordenativos diminuem a qualidade do solo, pois estaria simplificando o meio. Em contrapartida, a predominância de processados ordenativos em relação a processos dissipativos aumentam a qualidade do solo, uma vez que estaríamos aumentando a complexidade do sistema. Desse modo, a sustentabilidade está associada aos princípios da produção de mínima entropia, ou seja, em um equilíbrio entre processos ordenativos e dissipativos (ADDISCOT 1995).
Mas como atingir esse equilíbrio? É isso que vamos discutir na próxima sessão.
Com base nos aspectos destacados acima, Bayer e Dieckow (2020) definiram dois fundamentos de manejo para qualidade do solo agrícola e produtividade das culturas: 1. não perturbação do solo e 2. alto aporte de resíduos.
Como destacado, a sustentabilidade do sistema é baseada na atenuação dos processos dissipativos. Isso pode ser atingido quando a perturbação do solo é minimizada ou eliminada, resultando em aumento da cobertura do solo, preservando a estrutura do solo e reduzindo a decomposição da matéria orgânica, ou seja, aumentando os processos ordenativos. Isso significa que o manejo do solo tem papel central na promoção de processos de ordenação e atenuação dos processos dissipativos.
O manejo é importante para a manutenção e melhoria na qualidade do solo através dos fluxos de energia e matéria no sistema solo-planta-atmosfera, e da proteção ambiental associada à alta produtividade a longo prazo (BAYER E DIECKOW, 2020). Mas, os fluxos de energia e matéria são dinâmicos no solo. O sistema solo para produção agrícola é resultado de uma rede de relações não lineares que são conectados com o ambiente (VEZZANI 2001) e por isso, possuem diferentes ordens de organização.
Por exemplo, o fluxo de compostos orgânicos é constituído pela matéria vegetal que é adicionada pelas culturas e transformada pela biota edáfica. Como resultado, tem-se a produção de uma sequência de compostos intermediários, com tempo variável de permanência no solo, e liberação de parte da matéria na forma de CO2. Esse processo caracteriza o fluxo de energia e matéria. A entrada de compostos orgânicos no sistema promove a formação de agregados no solo, que a longo prazo resulta na formação de estruturas numa hierarquia de tamanho e complexidade (VEZZANI 2009). Desse modo, os fundamentos propostos por Bayer e Dieckow (2019) vão de encontro ao fluxo de energia e matéria, e por isso são indispensáveis para manutenção ou melhoria da qualidade do solo.
A não perturbação do solo pode ser obtida através da utilização do sistema de plantio direto, e o alto aporte de resíduos pode ser atingido com o cultivo de culturas com alta produção primária líquida. Entretanto, deve-se considerar outras estratégias que contribuam com a produção de fitomassa, como por exemplo a adubação, a utilização de plantas de cobertura ou integração lavoura-pecuária. Quando apenas um dos fundamentos é utilizado, ocorre um desequilíbrio entre os processos ordenativos e dissipativos, conduzindo a perda da qualidade do solo (BAYER E DIECKOW, 2020).
Para exemplificarmos esses fundamentos, na figura abaixo são utilizados dois sistemas contrastantes (Figura 2). Na figura são demonstrados os processos predominantes em cada sistema segundo os fundamentos propostos por Bayer e Dieckow (2020).
Fonte: Lisiane Sobucki (2022).
Assim, o equilíbrio entre processos dissipativos e ordenativos é indispensável para a sustentabilidade do sistema solo. A utilização de práticas agrícolas que visam a diminuição do revolvimento do solo e o alto aporte de resíduos são indispensáveis para a sustentabilidade e qualidade do solo.
REFERÊNCIAS
ADDISCOTT, T. M. Entropy and sustainability. European Journal of Soil Science, v. 46, n. 2, p. 161-168, 1995.
BAYER, Cimélio; DIECKOW, Jeferson. Lessons Learnt from Long-term No-till Systems Regarding Soil Management in Humid Tropical and Subtropical Regions. In: No-till Farming Systems for Sustainable Agriculture. Springer, Cham, 2020. p. 437-457.
VEZZANI, Fabiane Machado; MIELNICZUK, João. An overview of soil quality. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 33, p. 743-755, 2009.
Autores:
Lisiane Sobucki, Engenheira Agrônoma, Me. em Ciência do Solo.
Rodrigo Ferraz Ramos, Engenheiro Agrônomo, Me. em Ciência do Solo.