Você sabe o que é e como surgiu o cooperativismo no agronegócio?
Com a revolução industrial, surgiu um novo modelo de fazer negócios, principalmente entre camponeses ou pessoas que estavam à margem da sociedade europeia por viverem as injustiças daquele momento.
A formação de cooperativas a partir do século XVI foi fundamental para unir trabalhadores para atuar na agricultura, para defender seus direitos e para atuar em outros setores para que todos possam ter oportunidades, ou seja, o cooperativismo funciona como uma atividade social.
Neste artigo, abordaremos o “Cooperativismo: conceitos, origens e relação com agronegócio”, para compreender algumas definições do que é o cooperativismo, como que se constituiu com o tempo e como está relacionado com o agronegócio. Dessa forma, nosso objetivo é falar um pouco sobre o cooperativismo mostrando alguns conceitos, suas origens e a relação com agronegócio.
A partir de uma metodologia qualitativa, conceituamos todo o referencial bibliográfico relacionado ao tema central de estudo. Como referências bibliográficas, utilizamos alguns livros e artigos.
Acompanhe o conteúdo completo. Boa leitura!
Definindo o cooperativismo
Para iniciar, vamos conferir a seguir a definição e as bases do cooperativismo.
Cooperação como prática social
A cooperação diz respeito a uma prática social que está relacionada e condicionada a questões que são primordiais na economia, como produzir riqueza e distribui-las.
Essa prática social pode ocorrer em locais específicos que possuem seus valores, culturas e comportamentos que levam a cooperação (Walter, et. al., 2003).
O que também influencia nessa cooperação são as circunstancias da vida. Elas podem ser materiais, políticas e culturais, e influenciam diretamente na prática cooperativa e como ela vai ocorrer (Walter, et. al., 2003).
O ser humano no processo de produção de suas condições de vida – em termos materiais ou espirituais – constrói a sua realidade social, da qual o cooperativismo é expressão como um movimento social que carrega valores e interesses. A força dinâmica do movimento cooperativo é a valorização do trabalho humano e as engrenagens do movimento são as relações de cooperação entre os indivíduos em função das suas necessidades e interesses (Walter, et. al., 2003, p. 2).
Base etimológica e política do cooperativismo
De acordo com Frantz (2006), a palavra cooperação tem como base etimológica a concepção de trabalho e das relações sociais com o trabalho. O termo cooperativismo surgiu em meio as lutas para valorizar o trabalho humano. Também diz respeito a economia e tem como núcleo a remuneração do trabalho. Por esse motivo, a definição de cooperativismo é amplo e vai além de uma simples instrumentação técnica.
Tem também uma dimensão política amarrada aos interesses do trabalho das pessoas. Além do instrumental técnico, a organização cooperativa nasce de um movimento social que traz em seu bojo histórico a questão da valorização do trabalho humano. Trata-se, portanto, também de um movimento político e, como tal, constitui a identificação, a associação, a comunicação entre os que trabalham como seus instrumentos de atuação (Walter, et. al., 2003).
Movimento social e conflito
Para Touraine (1998), um movimento social também pode ser um conflito social e uma ação cultural que prioriza as questões de valores culturais, assim como as conquistas sobre adversários sociais.
No movimento cooperativo o conflito se localiza, historicamente, no processo de apropriação dos resultados da produção, por parte de seus associados, diante das forças do mercado. A realização de valores pode ser identificada pela observância dos princípios doutrinários com relação à organização e funcionamento das práticas cooperativas (Walter, et. al., 2003, p. 2).
A cooperação que ocorre como prática social pode ser entendida como um processo social que implica em mudanças qualitativas e nas relações sociais, ou até mesmo como estratégia instrumental da organização com o propósito de atender seus interesses.
Em economia de mercado, as cooperativas são formadas por meio de instrumentos estratégicos com objetivos para alcançar resultados (Bottcher, 1974). Entretanto, a organização cooperativa como uma organização coletiva que possui liberdade de interesses pessoais associadas e não possui liberdade de interesse de capital.
Economia solidária
Em economia solidária, por exemplo, a cooperação pode ter como origem um processo social, com ordem econômica, e ter base nas relações associativas em que grupos sociais procuram encontrar soluções para os problemas de produção e na apropriação de resultados por meio de empreendimentos coletivos (Walter, et. al., 2003).
No movimento cooperativo tradicional, a economia dos interesses dos indivíduos livres e não do capital é estimulada pela cooperação, pela associação das individualidades. O movimento social da economia solidária expressa as necessidades dos indivíduos livres que são abrigados pelo coletivo. Há uma precedência na organização da solidariedade. Assim, enquanto no cooperativismo moderno se parte dos interesses dos indivíduos que se associam e constituem o coletivo, na economia solidária se parte do coletivo constituído para acolher os indivíduos necessitados (Walter, et. al., 2003, p. 3).
Dessa forma, é possível afirmar que uma cooperativa é uma associação de pessoas e não de capitais, mesmo que seus objetivos e interesses sejam econômicos, e conectados com à valorização do trabalho e em um contexto de relações com o mercado.
A associação acontece em uma perspectiva de interesses econômicos e com seus componentes. E os interesses dos associados se organizam como um instrumento de atuação, ou seja, como empresa cooperativa (Frantz, 2002).
O começo do cooperativismo
Descubra como o cooperativismo surgiu e evoluiu ao longo dos séculos, desde os primeiros conceitos e pensadores até a consolidação desse modelo. Confira a seguir.
Primeiros conceitos e pensadores
O projeto de uma organização econômica focada no indivíduo começou no século XVI, junto com a prática associativista e com o surgimento do cooperativismo (Rebonatto, 1985). Os primeiros conceitos foram criados na Inglaterra e na França que, naquele período, eram os principais centros de irradiação da cultura econômica.
Os primeiros criadores do pensamento econômico cooperativista estão envolvidos a P. C. Plockboy, um holandês que publicou um ensaio em 1659 sobre “Os Procedimentos que Torne Felizes os Pobres Desta Nação e Outros Povos” (Pinho, 1977).
Plockboy idealizava uma associação muito semelhante às cooperativas integrais, que mais tarde foram criadas, ou seja, preconizava a união de famílias ou pequenos grupos econômicos, constituídos por agricultores, artesãos, marinheiros e professores de artes e ciência; para tanto, cada componente contribuiria com o que dispusesse: animais, mão-de-obra, recursos em dinheiro, terra, transporte, tudo em detrimento do bem coletivo (Aguiar e Reis, 2002, p. 3).
Outro nome relevante do pensamento econômico cooperativista é o do socialista inglês John Bellers. Bellers viveu de 1654 a 1725 e publicou sua obra “Proposições para a Criação de uma Associação de Trabalho de Todas as Indústrias Úteis e da Agricultura.”
Ele recomendava a criação de colônias cooperativas de trabalho, que precisavam ser formadas por 300 a 3000 associados para atender demandas, obter lucros dos intermediários e de indústrias que eram úteis (Oliveira, 1979). Os resultados eram aplicados em entidades para dividir entre os membros da associação conforme a participação de cada um (Aguiar e Reis, 2002).
Os conceitos desses pensadores ficaram apenas nas ideias e foram apenas ensaios teóricos que começaram a influenciar a partir do século XIX. Eles eram contrários às ideias econômicas de fisiocratas e clássicos, que passaram a adotar práticas do liberalismo econômico.
Esse liberalismo tinha uma concorrência sem controle de pequenas empresas de produção e, por conta da gravidade e repercussões da I Revolução Industrial que ocorreu no meio operário (Aguiar e Reis, 2002).
Essa realidade colocou em evidência a oposição entre o interesse individual e o interesse social, onde um pequeno grupo de empresários enriquecia cada vez mais e uma crescente classe operária vivia miseravelmente. Numerosas foram as reações que começaram a surgir contra as práticas do liberalismo econômico, sendo as principais as reações socialistas (Aguiar e Reis, 2002, p. 4).
Desenvolvimento do pensamento cooperativo na França
No fim do século XVIII, junto com o ambiente revolucionário francês, Lyon, L’Ange publicou, em 1792, um esboço de um sistema cooperativo que tinha como objetivo uma nacionalização geral de alimentos. Naquele período, o folheto teve grande repercussão. L’Ange desenvolve a formação das cooperativas entre os agricultores tendo a participação do Estado para oferecer o capital, enquanto a administração fica de responsabilidade dos agricultores (Oliveira, 1979).
Seriam 30.000 “armazéns de abundância” em toda a França. Essas cooperativas também tratariam do seguro contra granizo e incêndio, dentre outros. Sem concretizar o ensaio que preconizava, L´Ange foi de grande influência ao pensamento econômico cooperativo francês, mais expressivamente com François Marie Charles Fourier, de quem é considerado, pelos historiadores, pai espiritual e guia doutrinário de Fourier (Aguiar e Reis, 2002, p. 14).
Cooperativismo moderno e as reações ao capitalismo
Os franceses demonstravam ter um pensamento econômico cooperativista que tinha como base a produção, e o setor era a agricultura (Aguiar e Reis, 2002).
No cooperativismo moderno, por exemplo, essa forma de organização surge como uma reação às dificuldades técnicas, sociais, políticas e culturais diante da lógica de acumulo de capital. Os modelos modernos de organizações cooperativas emergem em um espaço de mercado capitalista, onde as relações econômicas são guiadas pelos interesses do capital.
A cooperação moderna oferece mudanças na organização econômica da sociedade diante de um sistema que é baseado em associações-cooperativas de caráter econômico, que são colocados em serviço e segundo os interesses de quem está trabalhando (Walter, et. al., 2003).
As ações cooperativas podem ser utilizadas apenas como instrumentos de gestão de custos ou como objetivos de uma organização econômica. Como resultado, podemos dizer que os gestores de organizações cooperativas também precisam ser educadores, e isso é uma atividade básica da cooperativa (Walter, et. al., 2003).
A educação em cooperação, numa perspectiva de cooperativa, forma uma visão e cultura individualista que traz novamente o espaço de relações de cooperativas na economia. Entretanto, isso ocorre sem eliminar os espaços individuais, que são definidos como conquistas de liberdade e constituição de sujeitos (Walter, et al., 2003).
A própria liberdade forma o indivíduo como ator nos movimentos de cooperativas, pois, através dela, se definem novas relações sociais e de cooperados. Nisso surgem os grandes desafios da educação e nas cooperativas (Frantz, 2006).
É necessário formar estruturas em grupo, de pensamentos e comportamentos que possam agregar a liberdade das pessoas e na economia de interesses. Sem interferir na convivência das pessoas, surgem novos espaços à organização cooperativa e na educação dos cooperados (Walter, et. al., 2003).
Entenda a relação do cooperativismo com o agronegócio
No Brasil, o cooperativismo passou a fazer parte principalmente de setores como o agronegócio. As cooperativas agropecuárias possuem um papel relevante na melhoria de distribuição e renda na zona rural, pois agregam valor aos produtores agrícolas e aumentam o poder de barganha do produtor rural em mercados que não são estruturados (Gimenez, 2007).
A influência das cooperativas na agricultura familiar
O agronegócio também é um modelo que envolve todas conexões de uma cadeia produtiva específica, desde o montante à jusante, ou seja, da fabricação dos insumos até o consumo do produto final (Nascimento, et. al., 2022).
De acordo com Abramovay (1997), as cooperativas localizadas principalmente na região Sul possuem um papel complementar no desenvolvimento da agricultura familiar. Dessa forma, os agricultores familiares conseguem ter um poder de barganha melhor na compra de insumos e na venda de seus produtos.
Cooperativismo no agronegócio: Papel no mercado e na formação de políticas públicas
Segundo Farias (2015), as cooperativas foram criadas pelos próprios produtores agrícolas devido ao controle de preços, que são resultados do mercado oligopolista.
No fim da década de 1950, a agricultura na região Sul começou a ter uma forte influência estatal e a produção de outros produtos, como soja, foi incorporada por produtos de trigo em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, alavancando ainda mais o cooperativismo agropecuário (Jonhston, et. al., 2017). No Paraná, por exemplo, a soja estimulou na formação de cooperativas em outras regiões, como o oeste e sudoeste do estado.
As próprias cooperativas conseguem ter a capacidade de criar e influenciar na criação de políticas públicas. As maiores cooperativas do Brasil atuam em diversos segmentos e cadeias de produção, principalmente de grãos, proteínas animais e lácteos.
Na metade do século XX, com o desenvolvimento em espaços regionais em expansão e com objetivo de melhorar a qualidade de vida, também ocorreram impactos gerados com a modernização da agropecuária e fortalecimento da urbanização (Alves e Lima, 2017).
Hoje, um dos desafios das cooperativas agropecuárias está em definir um equilíbrio entre interesses econômicos, sociais e políticos entre seus associados.
Leia também: O cooperativismo como alternativa para os pequenos agricultores.
Conclusão sobre o cooperativismo no agronegócio
Após o desenvolvimento deste estudo, podemos perceber que o cooperativismo surgiu como uma forma de proporcionar oportunidades para todos na Europa. Mesmo com a influência de correntes neoliberais e da Revolução Industrial, ainda havia muitas desigualdades.
Nesse contexto, o cooperativismo foi relevante principalmente para lutar por direitos para que todos pudessem ter oportunidades e dignidade.
Com o tempo, o cooperativismo foi se desenvolvimento por meio de diferentes pensadores de cada período, como o L’Ange no século XVIII, e outros que o antecederam e continuaram desenvolvendo diferentes teorias para beneficiar ainda mais os cooperados.
No Brasil, o cooperativismo foi fundamental para que os agricultores pudessem crescer nas suas regiões e influenciar a criação das políticas públicas que beneficiam o setor do agronegócio. Nesse estudo, temos como exemplo a região Sul do Brasil.
Em estudos futuros, poderemos pesquisar os novos conceitos que foram construídos ao longo do tempo e como as cooperativas atuais estão aplicando esses conceitos.
Isso permitirá que todos possam estar unidos e tenham acesso às mesmas oportunidades em um livre mercado competitivo, que necessita de estratégias e produtividade para se manter, bem como as novas políticas públicas que permitem esse crescimento.
Referências
AGUIAR, Cristina Silveira; Reis, Carlos Nelson de. As origens do cooperativismo e o contraponto aos males das metamorfoses do mundo do trabalho. Sociedade em Debate, Pelotas, n. 8, v. 3, p. 149-185, Dez/2002. Disponível em: As_origens_do_cooperativismo_e_o_contraponto_aos_males_das_metamorfoses_do_mundo_do_trabalho.pdf. Acesso em: 02.10.23.
BOETTCHER, E. Kooperation und Demokratie in der Wirtschaft. Tübingen, Alemanha: J.C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1974.
FRANTZ, W. Genossenschaftsentwicklung und genossenschaftliche Erziehung. Eine Fallstudie aus Brasilien. In: Jahrbuch für Bildung, Gesellschaft und Politik in Lateinamerika. Münster, Alemanha: Westfälische Wilhelms-Universität Münster, 1980, p. 3-275.
FRANTZ, W. Organização cooperativa – campo de educação e espaço de poder. In: Perspectiva Econômica, vol. 37, nº 119, Série Cooperativismo nº 52, p. 65-84. São Leopoldo: UNISINOS, 2002.
FRANTZ, W. Razões do cooperativismo moderno. In: O INTERIOR, ano 32, n° 963, março de 2006, página 12. Porto Alegre: COOTRAEL – Cooperativa de Trabalhos Técnicos Especializados.
OLIVEIRA, Nestor Braz de. Cooperativismo: guia prático. Porto Alegre: Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos, 1979, 273p.
PINHO, Diva Benevides. O Cooperativismo no Brasil Desenvolvido e no Brasil Subdesenvolvido. São Paulo: USP, 1965, 79p.
REBONATTO, Carlos Alberto Trindade. A Cooperação e o Cooperativismo: retrospecto histórico, classificação e natureza jurí-dico das cooperativas, In Revista Perspectiva Econômica Ano XIX, n.º 51, 1985, p. 9-52.
TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
WALTER, Frantz; et. al. AS PRÁTICAS DO MOVIMENTO COOPERATIVO COMO LUGARES DE EDUCAÇÃO. ANPED. Disponível em: AS PRÁTICAS DO MOVIMENTO COOPERATIVO COMO LUGARES DE EDUCAÇÃO FRANTZ1, Walter – UNIJUI.pdf. Acesso em: 02.10.23.