Devido à alta demanda por energia e o esgotamento dos combustíveis fósseis e a constante preocupação ambiental, a busca por fontes alternativas de biocombustíveis tem se tornado o foco dos pesquisadores ao redor do mundo. A geração de biocombustíveis a partir de resíduos agrícolas (biomassa lignocelulósica) surge como uma alternativa para a produção do bioetanol, também conhecido como etanol de 2º geração (G2).
Diferente do etanol de 1º geração que é produzido a partir de grãos ou cana-de-açúcar, o etanol G2 pode ser produzido a partir da palha do milho, bagaço, palha da cana-de-açúcar e biomassa lenhosa, o que caracteriza-o como uma alternativa sustentável e ecológica em relação aos combustíveis fósseis. Entretanto, um dos maiores gargalos para a produção em escala industrial é a quebra ineficiente do material vegetal devido à sua natureza recalcitrante, o que torna a produção inviável do ponto de vista econômico.
As principais etapas da produção do etanol 2G consistem no pré-tratamento do material lignocelulósico, onde o componente é preparado para ser utilizado como matéria prima para a etapa de hidrólise enzimática, que por sua vez, converte a biomassa em açúcares disponíveis. Essa conversão de resíduos lignocelulósicos pré-tratados requer a ação sinérgica de várias enzimas para a quebra da celulose e hemicelulose. Como consequência, o açúcar gerado no processo é convertido em etanol através da fermentação de modo similar ao que ocorre na produção do etanol de 1G.
Figura 1 Modelo de esquema das etapas da produção do etanol de 2 geração.: Imagem Elevagro, adaptada de: https://propeq.com/etanol-de-segunda-geracao/.
Diante da necessidade biotecnológica em obter enzimas potencialmente celulolíticas, o rúmen passou a ser uma excelente ferramenta de estudo com a finalidade de bioprospecção enzimática. Como os ruminantes se alimentam basicamente de folhagens, ou seja, rico em material vegetal e a microbiota ruminal é o fator principal na degradação destes compostos. O conteúdo ruminal e sua microbiota são considerados “hotspots” para a bioprospecção de microrganismos com potencial celulolítico.
O rúmen possui um ecossistema complexo, colonizado por diversos microrganismos, incluindo bactérias, fungos, vírus e protozoários. Essa microbiota estabelece uma relação simbiótica com o ruminante e confere a capacidade de digerir material vegetal, rico em fibras, carboidratos solúveis e insolúveis, proteínas e lipídeos provenientes da dieta do animal. Dentre os principais grupos de microrganismos no rúmen, as bactérias e os fungos possuem relação direta com a degradação da fibra vegetal, apresentando a capacidade de fermentar carboidratos estruturais (celulose e hemicelulose), devido à produção das enzimas celulase e xilanase.
Figura 2: Ilustração da microbiota ruminal. Imagem obtida do trabalho de Xu, Qingbiao, et al. “Gut Microbiota and Their Role in Health and Metabolic Disease of Dairy Cow.” Frontiers in Nutrition 8 (2021).
As celulases são divididas em três grandes grupos: as endoglucanases, que atacam a região de baixa cristalização da fibra gerando cadeias livres; as exoglucanases, que atuam removendo unidades de celobiose a partir das extremidades livres; as glucosidases, que hidrolisam a celobiose em glicose. Além da produção do etanol 2G, essas enzimas apresentam diversas aplicações no ramo industrial: na indústria de alimentos, participando na produção e processamento dos alimentos para humanos e na nutrição animal; na produção de sucos de frutas; na extração de óleos e sementes; produção de vinhos.
Figura 3: Representação esquemática da atividade do complexo enzimático sobre a celulose.
Imagem retirada do trabalho: Ogeda, Thais Lucy, and Denise FS Petri. “Hidrólise enzimática de biomassa.” Química nova 33 (2010): 1549-1558.
A produção do etanol 2G a partir da biomassa lignocelulósica está entre as estratégias mais promissoras para atender a alta demanda de energia no mundo. Entretanto, como mencionado anteriormente, a dinâmica da aplicação dessa tecnologia em larga escala esbarra na eficiência da hidrólise na celulose. Tendo em vista este potencial biotecnológico, o investimento em estratégias como a bioprospecção das celulases de microrganismos cultiváveis e não cultiváveis de diferentes ambientes, aliado aos avanços tecnológicos e associados a engenharia genética, apresentam grandes perspectivas no aperfeiçoamento dessas enzimas para essa finalidade.
Figura 4: Bactérias provenientes do rúmen de bovino com capacidade de degradação total e parcial do papel filtro (composto por celulose). Imagem de acervo pessoal.
Referências
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