Os obstáculos enfrentados pela agricultura contemporânea, voltada para o suprimento de alimentos e produção de bioenergia, são de amplitude global. Esses obstáculos incluem o aumento da demanda alimentar decorrente do crescimento populacional, mudanças nos padrões alimentares e transformações climáticas.
Dentre os principais desafios estão o aumento sustentável da produção, por meio da aplicação de boas práticas agrícolas e da geração de variedades capazes de produzir alimentos com níveis e qualidade nutricional satisfatórios, assim como mais resistentes a vários tipos de estresses bióticos e abióticos.
Além disso, a crise sanitária do COVID-19 evidenciou que garantir a segurança alimentar não se trata somente de produtividade e rendimentos agrícolas, mas também de redes de segurança social formais e informais adequadas, distribuição igualitária de recursos e da manutenção dos direitos trabalhistas, dentre muitos outros fatores.
Pensando nisso tudo, o que é e qual é o impacto do CRISPR na agricultura? Ou seja, como essa tecnologia inovadora pode ser útil como ferramenta para tratar diversas doenças que possuem causa genética? Isso e muito mais você descobrirá neste artigo!
Do passado ao presente: As técnicas de melhoramento genético na agricultura
Ao longo da história, a produção de plantas com características favoráveis, como maior produtividade, resistência a pragas ou valor nutricional elevado, foi fundamentada principalmente em técnicas de seleção de alelos vantajosos naturais ou provocados por mutações não específicas. Apesar de serem úteis, esses métodos têm suas limitações, como a seleção fenotípica sem conhecimento das bases moleculares e toda complexidade envolvida no processo.
Neste contexto, com o surgimento da biologia molecular, a agricultura moderna passou a contar com várias técnicas que auxiliam o aprimoramento genético vegetal, tais como a engenharia genética (enzimas de restrição), seleção assistida por marcadores moleculares e seleção genômica. Mesmo assim, os alimentos transgênicos recebem forte crítica do público, geralmente sendo associados a algo “não natural” por conter material genético de diferentes organismos.
Em contrapartida, técnicas de edição de genomas têm promovido grandes novidades e perspectivas para a agricultura. Desde a primeira demonstração em 2012 (JINEK et al. 2012), o sistema CRISPR/Cas9 (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas e Proteína 9 Associada ao CRISPR) tem sido amplamente discutida em debates científicos e políticos como uma tecnologia inovadora e transformadora.
A CRISPR-Cas9 tem sido cada vez mais utilizada na agricultura como uma alternativa para a criação de plantas geneticamente modificadas. Diferentemente dos métodos convencionais que envolvem a inserção de genes inteiros em plantas, a CRISPR permite a edição direta do DNA para a obtenção de características específicas.
Mas o que é o CRISPR/Cas9?
O CRISPR é um complexo sistema de imunidade adaptativa que utiliza RNA/proteína e é empregado por procariotos (bactérias e arqueias) para se defenderem de vírus e elementos genéticos móveis (plasmídeos). Através desse sistema, o microrganismo é capaz de clivar os ácidos nucleicos do invasor, interrompendo assim seu ciclo.
A proteína Cas (CRISPR-associated protein) é responsável por cortar e degradar o material genético do invasor identificado pelo sistema CRISPR. A partir disso, cientistas conseguem fazer alterações precisas no DNA de células vivas, incluindo plantas e animais, com potenciais aplicações em outras áreas.
Diversos estudos envolvendo o CRISPR na agricultura vêm sendo realizados, como no desenvolvimento de plantas mais resistentes a doenças e pragas e melhoria da qualidade nutricional dos alimentos, aumentando a tolerância a condições climáticas adversas.
Além disso, o CRISPR vem sendo explorado para atividades de biorremediação, aumentando a capacidade de microrganismos com a degradação de substâncias tóxicas presentes no solo, como pesticidas e herbicidas.
CRISPR na agricultura: As promessas dessa tecnologia inovadora
Embora a tecnologia CRISPR tenha trazido muitas promessas na área da agricultura, ela também enfrenta alguns desafios e preocupações. Um dos principais problemas é a possibilidade de efeitos colaterais indesejados, como mutações fora do alvo que poderiam causar danos ao DNA de plantas ou animais.
Adicionalmente, existe a preocupação com a possibilidade de que o uso generalizado da tecnologia possa elevar a homogeneidade genética das culturas, podendo ter consequências negativas a longo prazo, como a perda de diversidade genética e maior suscetibilidade a doenças e pragas.
Apesar das controvérsias que mencionamos, é inegável que a agricultura precisa buscar novas formas de produzir alimentos de forma sustentável para atender à crescente demanda alimentar global. Nesse contexto, o CRISPR na agricultura surge como uma ferramenta promissora para o aprimoramento genético. É animador ver que a comunidade científica está abraçando essa tecnologia e explorando para que possamos, em breve, cultivar alimentos de forma mais sustentável.
Referências
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JINEK, Martin, et al. “A programmable dual-RNA–guided DNA endonuclease in adaptive bacterial immunity.” science 337.6096 2012: 816-821
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10 respostas
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