A adoção da tecnologia do controle biológico é um caminho sem volta na agricultura. Recentemente um estudo de mercado realizado pela ABCBio apontou que 39% dos agricultores brasileiros utilizam esta tecnologia em uma área de 10 milhões de hectares. No estudo, 96% dos agricultores entrevistados afirmam que deve haver crescimento no uso desse tipo de insumo nos próximos cinco anos. Dentre os insumos biológicos mais utilizados foi destacado o fungo do gênero Trichoderma. Especialistas apontam que Trichoderma é utilizado em cerca de 5 milhões de hectares no Brasil para o controle do mofo-branco e de doenças radiculares causadas por fungos. Este estudo também evidenciou que 57% dos produtores rurais desconhecem a tecnologia. Logo, conhecer profundamente os ativos biológicos é um fator decisivo para a ampliação de uso desta tecnologia.
O primeiro passo para conhecer um ativo biológico é a sua correta identificação. Por exemplo, os produtos biológicos a base de Trichoderma registrados no MAPA contemplam as espécies Trichoderma harzianum, Trichoderma asperellum, Trichoderma stromaticum e Trichoderma koningiopsis.
Mas, como é feito a identificação de uma cepa de Trichoderma?
Bem, podemos realizar este trabalho do jeito antigo ou do jeito novo.
Do jeito antigo:
Até a década de 90, a identificação se baseava no que chamamos taxonomia clássica ou convencional, que usa características morfológicas e fisiológicas dos microrganismos para separar as espécies, como por exemplo, cor e forma da colônia e das estruturas dos fungos, taxa de crescimento, tamanho, assim como a produção de substâncias, como pigmentos, etc. Se tratando de Trichoderma, por exemplo, este jeito antigo se baseia em observações em microscopia, tais como tamanho, cor e forma dos esporos de cada cepa. Por depender da interpretação dessas características pelo avaliador, este tipo de identificação apresenta alto grau de subjetividade e baixa precisão nas análises, o que gerou inúmeras inconsistências na identificação de Trichoderma.
Do jeito novo:
Com o advento das análises em nível molecular e a democratização de ferramentas como o PCR (reação em cadeia da polimerase) e o sequenciamento genômico houve uma revolução na identificação de Trichoderma. Este jeito novo mudou completamente a classificação e está gerando uma “crise de identidade do Trichoderma”.
Uma das consequências mais importantes dessa crise são as dúvidas que foram levantadas sobre a classificação das duas espécies mais conhecidas no Brasil, as espécies T. harzianum e T. asperellum.
Implementando as análises em nível molecular até a linhagem mais conhecida e estudada no mundo de T. harzianum, a cepa T-22 teve que trocar sua identificação para a nova espécie, T. afroharzianum.
Esta crise de identidade também afetou a espécie T. asperellum, pois com o jeito novo já apareceu outra espécie, a chamada T. asperelloides. À medida que novas sequências genéticas passem a ser avaliadas, provavelmente novas espécies surgirão de dentro do que hoje é identificado como T. asperellum.
Desta forma num setor cada vez mais profissionalizado como o do Controle Biológico, não é mais aceitável a identificação de microrganismos com o jeito antigo, pois sua baixa acurácia e precisão o desqualificam para o trato de um dos insumos biológicos mais utilizados no Brasil.
Todos sabemos que os avanços científicos podem gerar inovações disruptivas e estas por sua vez podem gerar inúmeras crises, como a “crise de identidade do Trichoderma”.
Diante desse cenário, ficam as perguntas:
Estas novas identificações podem afetar o dia a dia do agricultor que usa ou pretende utilizar produtos à base de Trichoderma?
Será que o jeito novo pode impactar a eficácia agronômica dos produtos que estão no mercado?
Sendo a espécie do microrganismo muitas vezes usada como argumento de venda, será que essas identificações foram feitas do jeito velho ou novo?
Uma coisa é certa:
A correta identificação de cepas de Trichoderma é fundamental, pois permite conhecer melhor o agente, no que se relaciona aos seus aspectos ecológicos, adaptativos, de riscos à saúde, assim como seu potencial biotecnológico e agronômico. Mas, dentro de um grupo tão diverso quanto Trichoderma, que possui uma variabilidade gigantesca dentro de cada espécie, tão ou mais importante do que o próprio nome da espécie do microrganismo é a seleção de cepas de alta eficácia agronômica.
Saiba Mais:
O gênero Trichoderma foi descrito por Persoon em 1794 e contemplava apenas uma espécie, Trichoderma viride. Esse status foi mantido até 1969 quando Rifai fez a primeira revisão do gênero e propôs que o mesmo era composto por nove agregados de espécies, definidos por aspectos morfológicos. Novos estudos conduzidos em 1989 e 1991 demonstraram a partir da análise de aspectos morfológicos e do DNA mitocondrial que havia uma maior diversidade, levando os autores a sugerir a necessidade de uma nova revisão taxonômica.
A partir do uso ostensivo de sequenciamento de DNA como ferramenta de identificação de fungos foi ficando cada vez mais evidente que os agrupamentos (espécies) definidos não contemplavam a real diversidade do gênero Trichoderma.
Diante desse cenário, houve uma iniciativa pioneira por grupos de pesquisas que trabalham com sistemática de Trichoderma no sentido de estabelecer protocolos para uma identificação atualizada de fungos desse gênero. O fruto desse trabalho foi o lançamento de uma plataforma focada em taxonomia de Trichoderma, chamada ISTH. Atualmente, a plataforma necessita atualizar a sua base de dados, pois novas espécies já foram descritas e não estão contempladas no banco de dados.
Hoje, acredita-se que o gênero Trichoderma possua cerca de 300 espécies. Dentre elas, as mais importantes são as utilizadas na indústria (T. reesei e T. parareesei), as diversas espécies com potencial para uso na agricultura (complexo T. harzianum, T. asperellum, T. asperelloides, T. koningiopsis, T. virens, etc.) e a espécie considerada de importância médica, T. longibrachiatum frequentemente associada a infecções oportunistas em imunodeprimidos.
T. harzianum e T. asperellum são as espécies mais utilizadas como ativo em produtos comerciais para a agricultura. Essas duas espécies sofreram mudanças radicais nos últimos anos, por exemplo, em T. harzianum o que é normalmente enquadrado como T. harzianum por métodos convencionais e de sequenciamento da região ITS, na verdade, trata-se de um complexo de espécies, composto por pelo menos 14 espécies. O fato mais emblemático é a alteração da linhagem de Trichoderma T-22, a mais estudada do mundo, de T. harzianum para a nova espécie T. afroharzianum.
Comportamento similar acontece com T. asperellum, onde uma espécie críptica chamada T. asperelloides já foi descrita e validada com o uso de sequenciamento de mais dois genes (tef1 e rpb2). Provavelmente com a ampliação de sequências genéticas avaliadas, novas espécies surgirão de dentro do que hoje é identificado como T. asperellum.
A correta identificação de cepas de Trichoderma é fundamental, pois permite correlações mais assertivas no que se refere a aspectos ecológicos, adaptativos e de potencial biotecnológico e de risco à saúde humana.
Conteúdo produzido por Biota Innovations, acesse aqui.