Você sabe o que é a suplementação a pasto e como essa estratégia alimentar ajuda a melhorar o desempenho do rebanho?
O que você faria se eu te dissesse que os mercados estariam fechados de abril até setembro? Suponho que você responderia: “Vou estocar mantimentos para passar esse período.” Agora, vamos pensar em outro cenário, um cenário real: o mesmo poderia acontecer no seu pasto. Mas, no caso, gado que está no seu pasto não sabe que isso pode acontecer com ele.
Calma, vou explicar isso direito!
Durante o período da seca ou inverno, a terminologia irá variar de acordo com a região em que você se encontra. Mas a ideia é a mesma: nesse período, as plantas têm menor incidência de luz solar, as temperaturas podem cair drasticamente em algumas regiões, em outras há menor disponibilidade de água. E aí, o que acontece? Isso mesmo, redução da eficiência produtiva das pastagens. E então? O que vai ter disponível para o gado neste período?
Algumas estratégias podem ser adotadas, como a implementação de pastagens de inverno (aveia, azevém…), a produção e estocagem de forragens conservadas (feno, silagem…), ou até mesmo o diferimento da pastagem implantada habitualmente na propriedade.
O que é diferimento? É um manejo planejado, lembra do nosso último texto sobre planejamento? Para aplicar o diferimento, é necessário usar técnicas que ajudem a “desenhar” o processo. Por exemplo, os cálculos que estimam o consumo do rebanho durante esse período ajudam a evitar perda de peso e redução da lucratividade da safra.
Em termos simples, o diferimento é uma técnica para reservar pastagem. Acumula-se uma parte da forragem disponível durante as águas ou o verão para usá-la quando a oferta é limitada, suspendendo o pastejo na área conforme o planejamento forrageiro. Se sua propriedade não tem um planejamento forrageiro, temos um problema — confira o conteúdo sobre pecuária de corte para entender o porquê!
Então, se eu tiver uma área diferida para o rebanho, o problema está resolvido? Não necessariamente. A planta pode perder parte do seu valor nutricional com o tempo, aumentando os teores de fibras indigestíveis e diminuindo os teores de proteína.
Além disso, infelizmente não temos controle sobre as alterações climáticas, e se você está inserido em uma região em que há ocorrências de geada, inclua-a no seu planejamento. Independente da pastagem está diferida ou não, se a fisiologia da espécie não permitir que a planta resista a extremas quedas de temperatura, jamais conte com um milagre.
Então, neste momento você pode estar pensando: “Deixa quieto, não vou fazer o diferimento…”.
Como assim, vai contar com a sorte? Desistir do diferimento não é a melhor opção. A ciência tem a solução para períodos de oferta limitada de forragem e valor nutricional reduzido. Se você deseja aumentar o ganho de peso médio diário e reduzir o ciclo produtivo do rebanho, a suplementação a pasto pode ser uma grande aliada. Continue a leitura!
O que é suplementação a pasto?
Em termos técnicos, a suplementação a pasto é uma prática de manejo nutricional na pecuária que complementa a dieta dos animais que se alimentam de pastagem. Essa estratégia busca suprir as deficiências nutricionais do pasto, que nem sempre oferece todos os nutrientes necessários para o bom desempenho dos animais, especialmente durante períodos de menor qualidade ou quantidade de forragem, como na estação seca ou em pastagens de menor valor nutritivo.
Se ainda não ficou claro, vamos a um exemplo prático: imagine alguém que está em uma dieta “suplementada” para ganhar massa muscular. A alimentação, nesse caso, precisa fornecer o combustível necessário para o corpo atingir o objetivo, além das atividades físicas, que também são importantes.
Essa pessoa começa a comer mais do que estava acostumada, porque a quantidade inicial de comida era suficiente apenas para mantê-la viva e realizar as atividades diárias, mas não para o ganho de massa. Na pecuária de leite e corte, a lógica é parecida. Se queremos aumentar os ganhos ou suprir uma necessidade e o pasto sozinho não é suficiente, precisamos complementar a alimentação dos animais.
Então, é só instalar o cocho e encher de comida? Calma, não é tão simples assim. Mas não se preocupe, pois separamos um compilado de dicas para você entender se a suplementação a pasto é necessária e como realizá-la de forma adequada.
Suplementação a pasto: 3 dicas para implementação de suplementação para bovinos
Agora eu vou trazer um segredo. Acompanhando algumas propriedades e até mesmo a propriedade da minha família, aprendi que a etapa de implementação da suplementação a pasto é um grande gargalo da pecuária de bovinos de corte e de leite.
Diante disso, é muito importante termos uma rede de contatos e compreender como os processos funcionam em outras propriedades e sistemas. Contudo, nem tudo que funciona para o vizinho pode funcionar para a sua realidade. E daqui a pouco você vai entender por que esse ponto é importante!
Acompanhe nossas 3 dicas para a suplementação a pasto!
1. Verifique a fase e objetivo de produção do rebanho
Uma criança precisa da mesma quantia de alimento que um adulto? A resposta é não. Da mesma forma, a necessidade de um terneiro é diferente da necessidade de uma novilha em terminação, ou de uma vaca em lactação. Vamos a um exemplo prático: quem você acredita que deve ter maior exigência nutricional e deve ser prioridade na fazenda, a fêmea em gestação ou em lactação?
Fêmeas em lactação, além da demanda nutricional para manter suas atividades metabólicas, ou seja, manter-se viva e saudável, precisam deslocar e conduzir energia para a produção de leite. Então, o que precisamos considerar nesse aspecto, além da quantidade de animais, é a que fase em que eles se encontram, assim como as suas respectivas exigências nutricionais.
Se você chegou até aqui, é provável que já tenha definido o objetivo da sua produção: será cria, recria, engorda ou produção de leite? É fundamental estabelecer e declarar esse objetivo desde o início, pois não há como alcançar um propósito sem antes saber claramente para onde se quer ir.
Trabalhe em cima de suas metas e objetivos, levando em consideração a realidade em que está inserido. Lembra que falamos há pouco que o que funciona para o vizinho pode não funcionar para você? Afinal, os objetivos de uma propriedade podem ser diferentes uma da outra.
Exemplos de objetivos de produção de rebanho
Como exemplos, agora vamos abordar dois produtores.
Exemplo #1 – Sr. José, especializado em cria
Ele possui matrizes e reprodutores, porém apenas comercializa os bezerros assim que são desmamados. A alimentação dos animais é feita exclusivamente a pasto, sem nenhum tipo de suplementação. No entanto, durante o período de seca, ele utiliza estratégias como o diferimento da pastagem.
Não vamos entrar em detalhes sobre taxa de lotação ou capacidade de suporte do pasto. O importante aqui é que esse sistema funciona dentro da realidade do Sr. José. Claro, ele pode melhorar, mas por enquanto está satisfeito com os resultados. Neste exemplo, temos em média o tempo de desmame de 10 meses (210kg). Guarde essa informação!
Exemplo #2 – Sr. Nelson, também especializado em cria
Agora vamos comigo até a propriedade do Sr. Nelson, vizinho do Sr. José.
Ele também trabalha com o sistema de cria. Porém, Nelson atende a um mercado refinado e específico que trabalha com animais precoces, excelência em entregar animais para o abate antes dos 20 meses de vida. Apesar de o Sr. Nelson ser responsável apenas pela cria, o que acontece depois é, sim, relevante para ele. Você vai entender o motivo.
Em média, os bezerros do Sr. Nelson são desmamados aos 7 meses. Se ele seguir a mesma estratégia do Sr. José, desmamando com a mesma idade e peso, ele ainda conseguiria manter seus clientes? O mercado que ele atende tem diferenças de valor agregado, mas exige que os bezerros tenham no máximo 7 meses e pesem no mínimo 250 kg.
Será que manter a mesma estratégia nutricional do Sr. José seria eficaz? Faz sentido intensificar a nutrição e incluir alimentos além da pastagem e suplementação? Qual estratégia seria a mais adequada?
A ideia aqui não é comparar os sistemas e dizer qual é o melhor, mas sim destacar as diferenças e mostrar como incluir boas estratégias para alcançar os objetivos determinados pelos sistemas. É você quem define o seu objetivo, mas não se esqueça: quem dita as oportunidades é o mercado.
2. Analise os nutrientes em deficiência no rebanho
Conhecendo as necessidades de cada categoria do rebanho, agora vamos verificar o que temos disponível. Antes que me esqueça, lembra do planejamento forrageiro? É hora de segui-lo, não cometa o equívoco de verificar o que tem para oferecer para o rebanho quando seus recursos já estão limitados. Lembre-se que quem não planeja, paga o dobro.
Precisamos lembrar que as plantas são seres vivos, que respondem de forma diferente às adversidades às quais são expostas. Então, seu crescimento e o desenvolvimento podem afetar na sua composição nutricional em resposta a esta diversidade (fatores climáticos, disponibilidade de recursos hídricos e nutricionais, até mesmo aos níveis de lotação).
Só de olhar para uma planta você é capaz de visualizar quanto de proteína, fibra, extrato etéreo, minerais ela possui? Olha, se você disse que sim, está contratado, me envie seu currículo por gentileza!
Brincadeiras à parte, é praticamente impossível determinar valores exatos apenas observando as plantas. Por isso, temos duas alternativas: utilizar um banco de dados com valores nutricionais estimados para cada forragem, como a CQBAL 4.0 (Composição Química e Bromatológica de Alimentos). No entanto, se a sua pastagem não está em condições satisfatórias, esses valores estimados não serão precisos, nem adaptados à sua realidade. E é aqui que entra a nossa segunda alternativa, que traz resultados muito mais precisos e personalizados: a análise bromatológica.
Para realizar a análise bromatológica, você deve enviar uma amostra para o laboratório, que realizará os testes e e fornecerá valores nutricionais bem mais precisos. Mas isso deve ser caro, certo? Talvez você pense que não tem orçamento para isso. Tem certeza? Seria como convidar alguém para jantar sem saber se tem comida em casa!
Como você pretende atingir seus objetivos sem entender o que está oferecendo ao animal? Se isso está acontecendo por aí… vou te revelar um segredo: neste exato momento, ou sua carteira está esvaziando, ou você está perdendo a oportunidade de colocar mais dinheiro nela.
Por quê? Suplementação a pasto não é barata, mas também não é cara. O que é certo é que ela vai alterar seu custo de produção. A questão é se essa mudança vai trabalhar a seu favor ou contra você.
Vamos a um exemplo
Vou te dar um exemplo prático: fiz a análise bromatológica e descobri que falta proteína para atender às necessidades do animal e alcançar o objetivo que estabeleci para aquele lote. E agora? Você até pode não fazer nada, já que a falta de proteína nem sempre é evidente através do escore corporal do animal. Mas, com o tempo, você notará que o ganho médio diário (GMD) caiu, o gado passou mais tempo no pasto e as novilhas atrasaram o período da estação de monta.
Tudo bem, você não perdeu dinheiro. Mas percebe o quanto deixou de ganhar? Será que, com esse atraso no ciclo, você não poderia ter lucrado o suficiente para cobrir o custo da análise bromatológica e o investimento na suplementação a pasto?
3. Considere a qualidade e a quantidade de forragem disponível
Dando continuidade a nossa discussão sobre qualidade da forragem, vamos ao nosso terceiro tópico.
A quantidade de forragem disponível determina a capacidade do sistema de suportar a carga animal, certo? Contudo, como já mencionamos, em períodos de seca ou em pastagens degradadas, a produção de forragem pode ser insuficiente para atender às necessidades nutricionais dos animais, levando à perda de peso, ou, no melhor cenário, apenas à manutenção do peso.
Nesse cenário, a suplementação se torna necessária para preencher a lacuna entre a quantidade de forragem disponível e as exigências nutricionais do rebanho.
Já a qualidade da forragem é avaliada com base no teor de proteína bruta, fibra, energia e digestibilidade. Forragens de baixa qualidade, como aquelas com alto teor de fibra e baixo teor de proteína, não fornecem os nutrientes necessários para o crescimento e a manutenção dos animais. Nessas situações, a suplementação com fontes de proteína e energia de alta qualidade é essencial para garantir o desenvolvimento adequado dos bovinos.
Além disso, suplementação a pasto também pode melhorar a eficiência do uso da forragem, permitindo que os animais obtenham mais nutrientes de cada unidade de forragem consumida.
A suplementação deve ser estrategicamente ajustada com base nas características da forragem disponível, e no objetivo de produção do sistema, sempre levando em conta a realidade em que o sistema está inserido.
Por favor, nunca se esqueça disso! Em minha experiência, cheguei a ver propriedades fechando as portas porque o técnico que definia a dieta dos animais recomendou níveis absurdos de suplementação, e no fim do mês ou da safra, a conta simplesmente não fechava.
Nesses casos, o produtor está pagando para trabalhar. Como já foi dito no início, a suplementação a pasto pode trabalhar a seu favor ou contra você. Tudo depende das suas escolhas!
Quais tipos de suplementação não podem faltar?
É importante lembrar que não existe remédio milagroso, mas sempre há tratamentos eficientes. No caso da pecuária, isso significa que técnicas de manejo nutricional, sanitário e ambiental (referindo-se ao ambiente em que o animal se encontra) combinadas podem gerar excelentes resultados.
Já sabemos que os suplementos podem ser grandes aliados para garantir a eficiência na produção de carne ou leite. O que ainda não mencionamos é que existem diferentes tipos de suplementação, e a escolha do mais adequado dependerá de todos os fatores que discutimos até agora.
As suplementações podem ser:
Suplementação Mineral
Suplementos minerais são essenciais para fornecer minerais essenciais que podem estar em falta na dieta dos animais. Minerais como cálcio, fósforo, sal (sódio e cloro), além de microminerais como zinco, cobre, manganês e selênio, são vitais para várias funções biológicas importantes, incluindo a formação de ossos fortes, o metabolismo e a reprodução.
Suplementação Mineral com Aditivo
Esse tipo de suplementação inclui minerais combinados com aditivos para melhorar a digestibilidade e a utilização dos nutrientes. Adicionados em comum, eles são aditivos como probióticos, enzimas e agentes antimicrobianos.
Suplementação Mineral com Ureia
A ureia é uma fonte de nitrogênio não proteico que pode ser utilizada pelas bactérias ruminais para sintetizar proteínas. Ela é frequentemente incluída em suplementos minerais para ruminantes, ajudando a melhorar a digestibilidade da fibra e a aumentar a eficiência da utilização da forragem.
Suplementos Proteicos
Suplementos proteicos fornecem proteínas adicionais que podem estar em falta na dieta dos animais. Eles podem incluir farelos de soja, torta de algodão, ou concentrados de proteína de alta qualidade.
Suplementos Protéicos Energéticos
Esses suplementos combinam proteína e energia em uma única formulação. Ingredientes como grãos e subprodutos de grãos são utilizados para fornecer tanto energia quanto proteína, oferecendo uma solução completa para atender às necessidades nutricionais dos animais.
Conclusão
O manejo nutricional adequado é fundamental para o sucesso da pecuária, especialmente durante períodos críticos como a seca ou o inverno, quando a disponibilidade e a qualidade das pastagens podem ser limitadas.
O planejamento estratégico, como o diferimento de pastagens e a suplementação alimentar, são essenciais para garantir que o rebanho receba os nutrientes necessários para manter a saúde, o crescimento e a produtividade.
No entanto, é importante que cada produtor adapte essas estratégias à sua realidade específica, considerando fatores como a fase de produção dos animais, a qualidade e a quantidade da forragem disponível, e as condições climáticas da região.
Se bem planejada e executada, a suplementação a pasto ajuda a prevenir perdas e maximizar os ganhos, sendo uma aliada de ouro para garantir um sistema de produção consistente e lucrativo para o produtor. Dessa forma, o sucesso na pecuária depende da combinação de conhecimento técnico, planejamento e adaptação às condições do mercado e do meio ambiente.
Referências
POPPI, Dennis P. et al. Challenges of beef cattle production from tropical pastures. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 47, p. e20160419, 2018.
CEZAR, Ivo Martins et al. Sistemas de produção de gado de corte no Brasil: uma descrição com ênfase no regime alimentar e no abate. Campo Grande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2005.
PAULINO, Mário Fonseca et al. Suplementação de bovinos em pastagens: uma visão sistêmica. Simpósio de produção de gado de corte, v. 4, n. 2004, p. 93-139, 2004.
LANA, Rogério de Paula; GOMES JÚNIOR, Paulo. Sistema de suplementação alimentar para bovinos de corte em pastejo: validação. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 31, p. 451-459, 2002.