O conceito de ideótipo de planta é um termo muito antigo e utilizado para designar uma planta tida como ideal para determinado local e objetivo de cultivo, ou seja, representa um modelo e suas características são as mais propícias para sua determinada utilização. No entanto, este modelo é questionado por alguns pesquisadores, pois torna-se difícil definir um ideótipo adequado para as mais variadas condições de cultivo, sendo estas altamente influenciadas pelas características do ambiente. Embora existam controvérsias, a inclusão de parâmetros no processo de seleção de plantas é considerada uma ferramenta que diminui as informações empíricas no melhoramento genético, e pode aumentar a eficiência dos recursos para obtenção de um novo genótipo.
A planta da soja pode ser caracterizada por vários parâmetros, os quais possuem funções específicas que contribuem para a expressão de seu potencial genético. Dentre eles, podem ser citados os caracteres morfológicos, que atuam intimamente nos processos fisiológicos da planta; os componentes do rendimento, que possuem papel fundamental na determinação do potencial produtivo dos genótipos; e os componentes bromatológicos relacionados à aptidão alimentar e nutricional dos grãos desta oleaginosa. Em função da carência de trabalhos relacionados com a caracterização do ideótipo agronômico da soja, este capítulo irá abordar este tema com uma visão ampla, e descreverá os principais caracteres que determinam uma planta ideal da soja.
Caracteres morfológicos
A fotossíntese é a principal fonte pela qual as plantas obtêm energia na forma de assimilados, e utilizam estes para seus processos vitais. Deste modo, estão estrategicamente alocados aos caracteres morfológicos da planta com a finalidade de interceptar mais eficientemente a energia, a radiação fotossinteticamente ativa e, assim, incrementar a produção de assimilados para a planta, o que resultará no crescimento e no desenvolvimento da soja.
Hábito de crescimento
A soja, em geral, apresenta dois tipos distintos de hábitos de crescimento (Figura 1): o determinado e o indeterminado. Essa característica é definida pelo par de alelos Dtdt, sendo o homozigoto recessivo determinante para que o fenótipo apresente hábito de crescimento determinado. Os genótipos da soja com hábito de crescimento determinado são caracterizados por possuírem hastes terminadas com racemos florais, ou seja, após a emissão dos últimos racemos florais, a planta incrementa muito pouco sua estatura. Genótipos com hábito de crescimento indeterminado não apresentam racemos florais terminais, assim, continuam desenvolvendo nós na haste e incrementam sua estatura até o final do florescimento, e revelam sentido de emissão de flores do terço basal ao ápice da planta. Geralmente, os genótipos com hábito de crescimento indeterminado tendem a apresentar maior ciclo e estatura. Entretanto, o melhoramento genético da soja tem reunido esforços para obter genótipos mais produtivos, ciclos precoces e hábitos de crescimento indeterminado.
Figura 1 – Hábito de crescimento indeterminado (A), semideterminado (B) e determinado (C). Fonte: adaptado de Fridman et al. (2002
Altura da planta
A busca por genótipos da soja com estatura intermediária pode reduzir as perdas por acamamento no processo de colheita mecanizada. Plantas com altura superior a 80 centímetros podem ocasionar maiores perdas na colheita. Este caráter apresenta alta herdabilidade com sentido amplo (H²:0,95), o que indica grande variação genética. Pesquisas obtiveram herdabilidades de H²:0,84 na floração; já na maturação fisiológica, de H²:0,77, o que demonstra a importância da fração genética para a expressão deste caráter.
Altura de inserção do primeiro legume
Os genótipos da soja atualmente cultivados possuem uma menor distância entre o primeiro legume viável (Figura 2) da haste principal e a superfície do solo, quando comparados aos genótipos antigos. Isso é decorrente dos genótipos evidenciarem maior número de ramificações, e, conjuntamente, utilizarem populações e distribuições mais precisas das sementes na linha de semeadura. No entanto, a altura de inserção, quando muito baixa, ao redor de 10 centímetros, pode ocasionar perdas no processo de colheita, principalmente em terrenos mais acidentados. Este caráter apresenta herdabilidade com sentido amplo intermediária, variando de H²:0,33 a H²:0,53.
Figura 2 – Inserção do primeiro nó. Fonte: Elevagro (2021).
Ramificações
As ramificações da planta caracterizam-se por serem importantes estruturas que possibilitam maximizar o potencial genético da soja, tanto diretamente, com a produção de estruturas reprodutivas, quanto indiretamente, pois realizam a manutenção da área foliar fotossinteticamente ativa. O índice de área foliar (IAF) representa a magnitude de área foliar contida em uma determinada superfície, desta forma, nas ramificações, contribui com até 31% do IAF total em genótipos com hábito de crescimento determinado, e em torno de 20% em genótipos com hábito de crescimento indeterminado.
Arquitetura foliar
O avanço do cultivo da soja no Brasil resultou na modificação da arquitetura foliar das plantas, passando de uma planta caracterizada por uma grande área foliar, folhas grandes e arredondadas, para uma planta com menor índice de área foliar, folhas lanceoladas e compridas. Esse aspecto possibilitou a maior eficiência na redistribuição dos fotoassimilados nos órgãos da planta, resultou na redução da área foliar excessiva, minimizou o sombreamento das folhas, potencializou a interceptação da radiação fotossinteticamente ativa, e aumentou a eficiência de aplicações de defensivos aplicados no controle de insetos-praga e doenças, fato que resultou no aumento dos patamares produtivos da soja.
Estrutura reprodutiva
Apesar da soja apresentar elevado potencial produtivo, parte se perde em função da abscisão de flores, legumes e grãos. A coloração das flores da soja pode variar de branca a púrpura, sendo a tonalidade da cor dependente da constituição genética do genótipo, o que é decorrente dos níveis de antocianina, a qual é responsável pela pigmentação característica das flores da soja.
A cor das flores da soja é determinada por dois alelos, e apresenta dominância completa. Sendo que o alelo W1 determina a cor púrpura, e o alelo w1 w1 determina a cor branca. Este par de alelos determina a cor do hipocótilo das plântulas da soja, que apresenta efeito pleiotrópico. Tal fato justifica a cor do hipocótilo da plântula possuir a mesma cor da flor desta planta. Este parâmetro é de grande valia, pois pode ser utilizado para auxiliar em vistorias de campo de produção de sementes, o que possibilita a identificação precoce de possíveis misturas dos genótipos logo após a emergência das plântulas, e ainda ser considerado um marcador morfológico ao melhoramento genético da soja.
Referências
CARVALHO, I. R.; SZARESKI, V. J.; NARDINO, M.; VILLELA, F. A.; SOUZA, V. Q. Melhoramento e produção de sementes de culturas anuais: soja, milho, trigo e feijão. 1. ed. Saarbrücken, Germany: Ommi Scriptum Publishing Group, 2018. (v. 50).
CARVALHO, I. R.; NARDINO, M.; SOUZA, V. Q. Melhoramento e cultivo da soja. 1. ed. Porto Alegre: Cidadela, 2017. (v. 100).
CARVALHO, I. R.; SOUZA, V. Q.; NARDINO, M.; MAIA, L. C. Resultados experimentais da soja. 1. ed. Porto Alegre: Cidadela, 2016. (v. 50).
FRIDMAN, E. et al. Two tightly linked QTLs modify tomato sugar content via different physiological pathways. Molecular Genetics and Genomics, v. 266, p. 821-826, 2002.