O termo “rizosfera” foi empregado pela primeira vez a mais de 100 anos. Em 1904 o agrônomo Lorenz Hiltner foi o primeiro pesquisador a utilizar este termo para descrever a interface da raiz da planta com o solo e as interações microbianas que ocorrem nesse nicho (Hartmann 2008). Didaticamente, a rizosfera pode ser considerada a área da raiz da planta que se encontra em íntimo contato com o solo (Figura 1). Porém, a rizosfera também deve ser compreendida como um ambiente altamente favorável para a vida microbiana (Alexander 1977), pois essa área em torno da raiz é habitada por uma comunidade de microrganismos bastante diversificada genética e metabolicamente. Essa comunidade microbiana é afetada diretamente pela atividade metabólica das raízes das plantas, que produzem e exsudam compostos orgânicos na rizosfera. Esses compostos orgânicos são a base da alimentação dos microrganismos nesse ambiente.
Imporância do sistema radicular para o solo
A importância das raízes para a vida microbiana é tão expressiva, que a ausência de raízes no solo resulta na escassez de compostos de carbono, e em consequência, afeta diretamente a nutrição e o desenvolvimento de diversos microrganismos benéficos as plantas. Assim, as raízes exercem papel fundamental na disponibilização de compostos orgânicos ao solo através do “efeito rizosférico”, onde as plantas secretam até aproximadamente 40% da produção total de fotossintatos na rizosfera (Romagnoli & Andreote, 2016). Devido a deposição de moléculas orgânicas facilmente assimilável nesse ambiente, a rizosfera apresenta uma diversidade microbiana diferenciada e uma densidade microbiana maior que os microambientes do solo distantes das raízes. Estima-se que na rizosfera a abundância de microrganismos é superior a 109 células bacterianas por grama de solo, ou seja, 1.000.000.000 de células para cada grama de solo.
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Diversidade microbiana no solo
Atualmente, sabe-se que a diversidade e abundância de microrganismos na rizosfera depende da espécie de planta cultivada e das características do solo. Assim, o cultivo de duas diferentes culturas em uma mesma área, milho e soja por exemplo, resultará em comunidades microbianas diferentes na rizosfera, mesmo sendo cultivadas em um mesmo tipo de solo. Isso ocorre porque cada espécie de planta atrai para a rizosfera grupos de microrganismos específicos do solo. Ainda, devido ao fato que a função de um microrganismo é influenciada diretamente pelo seu ambiente, os organismos na rizosfera geralmente apresentam funções metabólicas diferentes daquelas exercidas no ambiente solo sem a presença de raízes.
Um fato importante a ser destacado é que o efeito rizosférico é responsável por atrair microrganismos potencialmente benéficos as plantas, que podem influenciar o desenvolvimento das culturas.
Atualmente, muitos pesquisadores defendem que a composição e estrutura da comunidade de microrganismos na rizosfera influencia fortemente a capacidade das plantas resistirem as doenças.
Isso ocorre, pois alguns grupos de microrganismos presentes na rizosfera possuem a capacidade de suprimir doenças nesse ambiente através de diversos mecanismos. Esse fenômeno é chamado de supressão geral de doença e pode ser explicado conforme a seguir. Primeiramente, a planta exsuda compostos orgânicos específicos e facilmente assimiláveis na rizosfera, atraindo diversos grupos microbianos e promovendo um aumento da abundância de microrganismos. Em consequência, haverá vários microrganismos com diferentes estratégias evolutivas competindo pelos mesmos recursos na rizosfera, promovendo a estabilidade geral das populações. Essa competição dificultará o crescimento das populações dos agentes patogênicos, que não conseguirão atingir um nível populacional suficiente para poder infectar o tecido da planta.
Importância dos microorganismos nas culturas agrícolas
Devido à reconhecida importância dos microrganismos no desenvolvimento das culturas agrícolas, ocorreu na última década um aumento nas pesquisas que buscam selecionar microrganismos do ambiente rizosférico, principalmente bactérias, devido ao seu potencial supressivo ou de seu potencial em fornecer nutrientes ou moléculas relacionadas a promoção de crescimento vegetal. Esses microrganismos são genericamente denominados de rizobactérias promotoras do crescimento de plantas (RPCP), e são caracterizados por possuírem alta capacidade de colonização, infecção e competição no ambiente rizosférico (Freitas 2007). Em geral, as RPCP apresentam mecanismos diretos e indiretos de promoção de crescimento.
Os mecanismos diretos referem-se à capacidade do microrganismo em contribuir para a nutrição mineral da planta através da solubilização e disponibilização de fosfato inorgânico no solo ou pela fixação biológica de nitrogênio. Também pode ser através da inibição direta de outros microrganismos patogênicos. A inibição desses microrganismos patogênicos ocorre através da produção e liberação de moléculas com ação antibacteriana ou antifúngica na rizosfera. Em contrapartida, os mecanismos indiretos são aqueles relacionados a atividade de grupos microbianos específicos que habitam o ambiente rizosférico. Como exemplos de mecanismos indiretos, podemos citar a disponibilização de macro e micronutrientes via mineralização de compostos orgânicos; a produção e liberação de agentes quelantes de metais, como os siderófaros, que imobilizam íons de ferro e privam o acesso desse íon aos microrganismos oportunistas e potencialmente patogênicos; a produção de enzimas hidrolíticas, como quitinases e pectinases que podem atuar na degradação da parece celular de fungos, e também através da sinalização bioquímica, ativação e amplificação do sinal dos genes de resistência nas plantas, onde os microrganismos induzem a resistência sistêmica da planta aos patógenos.
Nesse contexto, devido a diversidade de atividade benéficas promovidas pelos microrganismos da rizosfera e pela grande diversidade de microrganismos que ainda permanece desconhecida nesse ambiente, atualmente existe uma justificável busca de novos microrganismos para a produção de biotecnologias ou bioprodutos a partir da seleção de microrganismos promotores de crescimento e sua posterior aplicação nos cultivos agrícolas via inoculação. Assim, um dos principais objetivos atuais dos pesquisadores e empresas do setor do agronegócio é conseguir aplicar eficientemente os microrganismos benéficos na agricultura via inoculação. Essas novas tecnologias apresentam o potencial de maximizar a absorção de nutrientes das plantas, conferindo resistência a estresses bióticos e abiótico, aumentando o crescimento vegetal e suprimindo doenças em diversas culturas agrícolas.
Referências
Alexander M. Introduction to soil microbiology. Second Edition. New York, John Wiley, 1977. 472 p.
Freitas S.S. Rizobactérias promotoras do crescimento de plantas. 2007. In: Silveira A.P.D. & Freitas S.S. Microbiologia do Solo e Ambiental. Campinas: Instituto Agronômico, 2007. 312 p.
Hartmann A., Rothballer M., Schmid M. Lorenz Hiltner, a pioneer in rhizosphere microbial ecology and soil bacteriology research. Plant Soil, 312:4-17, 2008.
Romagnoli E.M, Andreote F.D. Rizosfera. 2016. In: Cardoso E.J.B.N. & Andreote F.D. Microrbiologia do Solo. Segunda Edição. São Paulo, ESALQ/USP, 2016. 221 p.