A produção mundial de arroz (Oryza sativa) atinge, anualmente, em torno de 800 milhões de toneladas. No Brasil, o estado do Rio Grande do Sul destaca-se como maior produtor, com mais de 70% da produção nacional deste cereal, ocupando uma área de aproximadamente 1 milhão de hectares para o cultivo do arroz irrigado.
Vários fatores causam queda no rendimento e na produção de arroz. Sem dúvida, nematoides parasitas de plantas são um deles. Na cultura do arroz, o nematoide-das-galhas (Meloidogyne graminicola) é reconhecido com uma praga importante, causando preocupação aos orizicultores brasileiros. Caso o controle não seja realizado, esse nematoide é capaz de reduzir a produção em até 80%. Os sintomas relacionados à infecção causada por Meloidogyne, em arroz, variam com a densidade populacional do nematoide, com as práticas de manejo utilizadas nas lavouras e com a resistência das plantas a esta praga.
No entanto, os sintomas geralmente iniciam-se pelo desenvolvimento das galhas nas extremidades das raízes, que prejudicam significativamente o desenvolvimento do sistema radicular, bem como o desenvolvimento da parte aérea das plantas (Figura 1). Esse processo interfere diretamente no fluxo de absorção e transporte de água e nutrientes pela planta, podendo refletir em sintomas na parte aérea, tais como raquitismo, clorose, perda de vigor, retardo na maturação e redução no perfilhamento, prejudicando o crescimento das plantas e, substancialmente, o rendimento da cultura (Figura 1). Cabe salientar que esses sintomas quase sempre são pouco expressivos, devido à aplicação da adubação nitrogenada, que os acaba mascarando, e permitindo que o problema aumente. Outro possível fator que também dificulta a observação dos sintomas a campo é o fato de esses microrganismos não serem visíveis a olho nu, e os principais sintomas iniciais da problemática ocorrerem no sistema radicular das plantas, ambiente “subterrâneo” de difícil visualização.
Todos os problemas de diagnose e identificação têm proporcionado condições favoráveis para o aumento do nematoide-das-galhas nas áreas produtoras de arroz. Tendo em vista o potencial biótico deste grupo de nematoides e a alta capacidade de reprodução quando as condições ambientais são favoráveis, gera-se uma preocupação significativa com relação ao possível aumento das populações nas lavouras de arroz irrigado.
Frente a essa situação, o Instituto Phytus, nos últimos anos, tem realizado estudos em lavouras de arroz irrigado no estado do Rio Grande do Sul, a fim de conhecer a distribuição e as estratégias de manejo deste nematoide na cultura. Em levantamentos realizados pelo Instituto Phytus, na safra 2019/20 e 2020/21, foi observada a ocorrência das principais espécies associadas à cultura do arroz. Em análise de 750 amostras de solo e raízes, verificaram-se as seguintes espécies: Meloidogyne graminicola, Pratylenchus brachyurus, Pratylenchus zeae, Helicotylenchus dihystera e Hirschmanniella sp. Nesta ocasião, foi identificada em aproximadamente 90% das amostras a ocorrência de M. graminicola em níveis populacionais de 45 a 55600 juvenis + ovos por grama de raízes e de 20 a 1252 por 100 cm³ de solo. Outra espécie encontrada nas análises foi o nematoide-da-ponta-branca, Aphelenchoides besseyi, entretanto, em níveis baixos e em locais esporádicos. O aumento populacional de M. graminicola nas lavouras está relacionado a diversos fatores, sendo os principais associados ao modelo agrícola adotado nos últimos anos, à utilização de estreita base genética, ao cultivo contínuo de espécies de plantas hospedeiras multiplicadoras e ao não diagnóstico dessa espécie presente na área.
Para o sucesso no cultivo é fundamental que o produtor, a partir do conhecimento prévio da(s) espécie(s) de fitonematoide(s) presente(s) na sua lavoura, escolha e realize a semeadura de cultivares com baixo fator de reprodução, para reduzir a densidade populacional do patógeno. Outra alternativa muito eficiente, mas pouco explorada, é o uso de nematicidas biológicos no manejo de nematoide. Estes nematicidas, de maneira geral, são produtos tecnológicos eficazes, de fácil uso, e quando aplicados via tratamento de sementes ou sulco de semeadura, protegem o sistema radicular das plantas, que é um ponto crítico para que o potencial da cultura seja atingido pelo desenvolvimento de plantas vigorosas e sadias, permitindo, assim, o cultivo em áreas com a presença desses microrganismos.
Pensando em entender melhor as respostas do tratamento de sementes com produtos biológicos na redução de M. graminicola (nematoide-das-galhas), conduziu-se um experimento em nível de lavoura comercial, utilizando três nematicida biológicos associados a duas cultivares de arroz. O ensaio foi conduzido em área de produção comercial de arroz naturalmente infestada por M. graminicola, localizada no município de Agudo, no Rio Grande do Sul.
As cultivares utilizadas foram IRGA 424 RI e GURI INTA CL, ambas com ciclo médio; os tratamentos foram compostos pelas rizobactérias Bacillus amyloliquefaciens (2 ml/100 Kg sementes), Bacillus firmus (2 ml/100 Kg sementes) e pelo fungo Trichoderma harzianum (5 ml/100 Kg sementes). O plantio foi realizado no dia 13 de novembro de 2020, em blocos ao acaso com seis repetições. As avaliações ocorreram 45 dias após a emergência das plantas para determinação do número de espécimes de M. graminicola nas raízes e do número de ovos.
A média populacional de M. graminicola coletada antes da instalação do experimento variou de 75 a 92 juvenis por 100 cm³ de solo. O número de espécimes de M. graminicola nas raízes das cultivares de arroz, aos 45 dias após a emergência, variou entre os tratamentos com e sem nematicidas, sendo que nas duas cultivares de arroz tratadas com nematicidas biológicos (Bacillus amyloliquefaciens, Bacillus firmus e Trichoderma harzianum) foram observadas reduções nos números finais de M. graminicola associadas ao tecido radicular, tendo reflexo direto no número de ovos, o que apresentou resposta similar de redução (Figura 1). Os tratamentos com os nematicidas biológicos B. amyloliquefaciens, B. firmus e T. harzianum apresentaram uma redução de nematoides e ovos nas raízes de 57,9%, 58,8% e 52,3% de juvenis e 58,8%, 60,7% e 53,8% sobre ovos, respectivamente, para a cultivar IRGA 424 RI (Figura 2). Já para cultivar GURI INTA CL, a redução da população de juvenis nas raízes foi de 61,3%, 60,3% e 54,9%, e para ovos de 54,3%, 56,4% e 50,5% para B. amyloliquefaciens, B. firmus e T. harzianum, respectivamente (Figura 21).
Para variável de produtividade, os tratamentos compostos por B. amyloliquefaciens, B. firmus e T. harzianum nas duas cultivares de arroz apresentaram incremento de produtividade (Figura 3). A cultivar IRGA 424 RI apresentou um incremento de 32, 37 e 21 sacas/ha para B. amyloliquefaciens, B. firmus e T. harzianum, respectivamente. Já a cultivar GURI INTA CL obteve um incremento de 24, 25 e 16 sacas/ha, respectivamente.
Atualmente, são poucos os trabalhos na literatura que mostram a avaliação de Trichoderma e Bacillus em ambiente com saturação da umidade do solo ou solo com irrigação por inundação. Mas estudos indicam que as espécies de Trichoderma e Bacillus podem ser capazes de sobreviver em condições de solo sob irrigação por inundação, o que os torna com potencial para utilização em estratégias de controle biológico para lavouras de arroz e cultivos com excesso de umidade no solo. Outro ponto a analisar passa pelo time de aplicação versus o estabelecimento da lavoura, que geralmente se dá em condições de ambiente não saturado, garantindo tempo suficiente para o seu efeito de controle.
Por se tratar de um grupo de difícil controle e de erradicação praticamente impossível, agregar tecnologias que interfiram na interação nematoide planta é fundamental para estruturação eficiente do ambiente de produção, haja vista que essas tecnologias têm influência direta na taxa de reprodução do nematoide nas raízes do arroz. No tocante a isso, é de suma importância diminuir a densidade populacional desse nematoide no solo visando aos próximos cultivos.
Esses resultados apontam um benefício na utilização de nematicidas biológicos com reflexo direto na produtividade. Esse reflexo direto está ligado ao modo de ação dessa ferramenta de manejo, que ao proteger as raízes iniciais, garante estabelecimento das plantas por interferir diretamente no processo de infecção desse nematoide nas raízes, e quando realizada, culmina em danos diretos advindos da sua alimentação nos tecidos radiculares e indiretos pela abertura da porta de entrada para outros patógenos de solo.
Portanto, o produtor deve estar atento em suas escolhas quando estiver cultivando em solos com presença de M. graminicola, procurando utilizar cultivares de baixo fator de reprodução e associar isso ao uso de nematicidas biológicos, além de intercalar a rotação ou sucessão de culturas com plantas não hospedeiras, de maneira a diminuir a população inicial de uma safra para outra, permitindo a convivência com esses microrganismos.