Avanços recentes na pesquisa e extensão visando a aperfeiçoar e a ampliar a adoção de novas tecnologias no manejo da cultura do arroz irrigado tem resultado em um incremento em produtividade média em lavouras comerciais no RS e SC.
Na última década, dados do IBGE mostram que no estado do RS o incremento de produção foi de +32% e da área plantada de apenas +17% (IBGE, 2008).
No entanto, ainda é aquém do potencial produtivo de áreas experimentais ou comerciais com alto nível tecnológico.
Dentre os responsáveis pelas limitações impostas à planta para a expressão de todo o seu potencial de produção estão os estresses abióticos ou aqueles causados por pragas, plantas competidoras e as doenças causadas por patógenos, principalmente fungos.
Diversas doenças podem causar impacto negativo na cultura do arroz, com destaque para a brusone, cujas epidemias têm ocorrido de maneira localizada em áreas irrigadas no sul do país.
No RS, especificamente, a brusone pode ser manejada de maneira satisfatória com o uso de cultivares resistentes indicadas pela pesquisa e manejo correto da lavoura.
Alia-se a isso, o fato de serem poucas as áreas com histórico e ambiente extremamente favorável para a doença no Estado.
Por outro lado, danos significativos também têm sido relacionados à ocorrência, normalmente simultânea e de efeito acumulativo, de outras doenças foliares e de panículas também causadas por fungos como a mancha-parda, a escaldadura, mancha estreita e a cárie do grão.
Os sintomas das doenças que se manifestam primariamente nas folhas levam a diminuição da produção de fotoassimilados, afetando negativamente o enchimento dos grãos e por conseguinte o rendimento.
Além disso, patógenos fúngicos causadores de manchas em folhas ou mesmo outros patógenos e saprófitos presentes no ambiente podem infectar as panículas afetando a produtividade (esterilidade de espiguetas, redução do número de grãos por panícula e peso específico) bem como a qualidade dos grãos (aumento no percentual de grãos quebrados, ardidos e manchados).
Fungicidas no manejo integrado de doenças do arroz
Enquanto que para a brusone a resistência varietal é a principal tática de controle, o risco de ocorrência isolada ou conjunta das demais doenças aumenta quando há problemas ou falhas no planejamento ou manejo da lavoura, que são ainda freqüentes.
O potencial de danos por doenças explosivas como a brusone, esporádica como a cárie e endêmicas como as manchas nas folhas tem impulsionado as atividades de pesquisa para encontrar soluções para o manejo integrado de doenças, sendo uma delas o uso de fungicidas, cuja área aplicada tem aumentado significativamente ao longo dos anos no sul do Brasil.
Dados levantados pela pesquisa mostram que 63% da áreas orizícolas no RS e SC realizam pelo menos uma aplicação de fungicidas.
Os fungicidas têm, portanto, se destacado como uma tática importante no manejo da cultura associada a outras práticas de manejo e adoção de variedades com alto potencial genético.
Dezenas de produtos vêm sendo testados na cultura do arroz na última década quanto à sua eficiência no controle doenças e resultante incremento em produtividade pela prevenção ou redução dos prejuízos causados pela doença, além de atributos de qualidade.
Além da comparação de eficiência entre produtos, diferentes programas de manejo têm sido avaliados para indicar a melhor configuração como época e número de aplicações, doses, alternância de produtos, dentre outros.
Análise conjunta de evidências
Resultados na literatura científica têm mostrado benefícios diretos com as aplicações de fungicidas, sendo nenhum, pouco ou bastante satisfatório o efeito no controle de doenças em função da situação avaliada.
Um trabalho de monografia orientada no Laboratório de Epidemiologia de Plantas da UFRGS, com a colaboração dos grupos de pesquisa da UFSM e IRGA, objetivou sumarizar e analisar conjuntamente os dados disponíveis sobre controle químico de doenças na cultura do arroz no RS no período de 10 anos.
A metodologia empregada é conhecida no meio científico como metanálise, uma técnica utilizada por muito tempo na medicina para sumarizar estatisticamente as evidências experimentais e que está ganhando bastante atenção na área de fitopatologia.
As etapas principais da metanálise consistem em uma revisão bibliográfica, seguida de seleção de trabalhos segundo critérios específicos e posterior análise estatística com métodos apropriados.
Os dados foram coletados em artigos em revistas e nos anais do Congresso Brasileiro do Arroz Irrigado, além de laudos de eficiência técnica de fungicidas fornecidos pelos grupos de pesquisa da UFSM e do IRGA.
De um total de 84 trabalhos (25 artigos e 59 laudos técnicos), foram selecionados 53 trabalhos (16 artigos e 37 laudos) conduzidos no RS e que atenderam aos critérios de seleção estabelecidos na metanálise, principalmente quanto à similaridade na metodologia de condução e avaliação do ensaio e detalhamento dos dados nas tabelas.
Desses foram extraídas diversas informações como local, cultivares, safras, princípios ativos, classes e grupos dos fungicidas, números de aplicações e estádio das aplicações, etc.
As variáveis disponíveis em todos os trabalhos selecionados e de interesse foram:
- a) eficiência de controle (% de redução da severidade acumulada de mancha parda, escaldadura, mancha estreita e escaldadura) em relação à testemunha;
- b) incremento em produtividade (%) em relação à testemunha. Para entender os fatores que influenciaram nas duas variáveis de interesse e identificar as situações que resultam em maior benefício, a análise foi estratificada em grupos de tratamentos segundo critérios.
A figura 1 apresenta um sumário das informações dos 59 ensaios retirados dos 53 trabalhos.
Dos tratamentos constantes nos ensaios foi montada uma tabela com 548 tratamentos fungicidas distribuídos que estavam distribuídos em 9 grupos químicos, 24 princípios ativos, 34 marcas comerciais e 13 produtos codificados.
Desses, foi selecionado um pequeno grupo, contendo ainda 277 tratamentos, e denominado “fungicidas mais usados”, segundo os critérios: maior número de tratamentos na tabela, indicados pela pesquisa e tendência de uso (misturas por exemplo) (Tabela 1).
Efeito global dos fungicidas
Os resultados mostram claramente uma alta eficiência de controle dos fungicidas das doenças em geral, chegando a uma média superior a 80%, considerando o universo total de dados ou os grupos selecionados de produtos e estratégia de uso.
Na primeira estratificação da análise usando apenas o grupo de “fungicidas em uso”, o controle médio foi de 86% com um incremento médio de 14% na produtividade.
Comparação entre grupos químicos e estratégia de uso
Os grupos químicos mais comuns avaliados foram os triazóis e estrobilurinas. Na comparação entre o uso puro ou em mistura desses dois grupos em formulações comerciais, a mediana do incremento em produtividade foi de 29% para as misturas, valor bastante superior aos triazóis e estrobilurinas aplicados isoladamente (Tabela 1).
Tabela 1. Controle médio de doenças foliares (percentual de redução da severidade acumulada de mancha parda, escaldadura, mancha estreita e brusone) e incremento médio em produtividade (kg/ha), ambos em relação à testemunha, com a utilização de fungicidas conforme os agrupamentos indicados. N corresponde ao número de tratamentos extraídos de diversos trabalhos experimentais com arroz irrigado no Estado do Rio Grande do Sul no período de 1998 a 2008.
Cenários de pressão de doenças
Quando a análise foi estratificada segundo a “pressão das doenças” (severidade acumulada das doenças foliares) na condição dos experimentos, observou-se um comportamento diferencial entre os grupos químicos (Figura 2).
As misturas e os triazóis destacaram-se em condições de baixa (severidade 40% de severidade) o uso de princípios ativos puros apresentou vantagem sobre as misturas.
Este resultado pode ser mascarado pelo pequeno número de estudos com o uso de misturas como citado anteriormente, o que é intensificado quando se usa as variáveis moderadoras ‘pressão de doença’ e ‘grupo químico’ conjuntamente.
Número de aplicações
Quando se avaliou o efeito de 1 vs. 2 aplicações de todos os tratamentos no grupo “fungicidas mais usados” observou-se pouco efeito de uma aplicação adicional no controle (+5%) e sem diferença no em produtividade.
Porém, considerando os níveis de pressão de doença, se verificou superioridade no uso de duas aplicações no controle da doença (Figura 4).
Quanto ao incremento em produtividade, o valor médio máximo (23%) foi obtido com o uso de duas aplicações sob condições de média pressão de doenças (Figura 4).
Em condições de alta pressão , a aplicação única mostrou melhores resultados.
Este fato decorre provavelemente pelo potencial de dano das doenças do arroz, comprometimento produtivo da lavoura e pela utilização de aplicações com caráter curativo.
Esse último fato é reforçado pela análise de duas aplicações de triazóis vs. duas aplicações de misturas T+E (Figura 5).
A utilização de misturas em duas aplicações sequenciais determinaram maior incremento na produtividade do que os triazóis puros mesmo em duas aplicações.
A combinação das estrobilurinas e triazóis tem como principal vantagem a ampliação do espectro de fungitoxicidade e de modo de ação, onde a ação da primeira é favorecida em condições de pré-infecção, pelo caráter protetor deste grupo químico.
Considerações e análise econômica
A eficiência de controle de doenças foliares no arroz encontrado neste estudo é bem acima daqueles encontrados em outros trabalhos similares de metanálise do efeito de fungicidas no controle da ferrugem da soja, com 59% de controle (Scherm et al., 2009) e giberela do trigo, com 42% de controle (Paul et al., 2006).
Por outro lado, o incremento médio global foi de 12% na produtividade comparado à testemunha não tratada.
Na comparação com outros patossistemas, o valor é bastante inferior ao resultado de 43% de incremento médio em produtividade da soja quando aplicados produtos fungicidas no controle da ferrugem asiática (Scherm et al., 2009).
Os dados reforçam o fato de que a ferrugem da soja causa muito maior impacto na produtividade da soja do que as doenças do arroz, nas condições dos ensaios no RS.
Por outro lado, demonstra que os produtos disponíveis são bastante eficientes em reduzir os níveis das doenças consideradas, o que contribui de certa maneira na garantia dos níveis de produtividade.
Embora relativamente baixo, há grande variabilidade ao redor da média em função da gama de produtos e diversas outras características dos experimentos.
Há muitos tratamentos que não resultaram em nenhum incremento como alguns que resultaram em valores acima de 30% de incremento.
Uma variação na média de apenas 2%, quando comparando a média de “todos os fungicidas” com os “fungicidas mais usados”, em valores absolutos de produção representa um incremento de 135 mil toneladas no RS (IBGE, 2008).
Apesar do grande incremento de produtividade, paradoxalmente, o número de tratamentos com formulações comerciais de misturas de triazóis e estrobilurinas avaliado nesse estudo de metanálise ainda é pequeno (N = 14), comparado àqueles com o uso isolado de fungicidas dos grupos dos triazóis (N = 134) e das estrobilurinas (N = 75).
Ainda, a maioria dos tratamentos com misturas priorizaram duas aplicações.
O fato das misturas terem sido superiores aos produtos puros pode estar relacionado ao maior espectro fungitóxico e a combinação de modos de ação distintos, com maior ação curativa, no caso dos triazóis e protetor (residual mais longo) para as estrobilurinas.
O estudo aponta para a necessidade do direcionamento das pesquisas para avaliação de programas de controle das doenças do arroz utilizando formulações em misturas sob diferentes configurações de cenário.
O fato de se ter observado maior incremento em produtividade quando os fungicidas foram usados sob situação de moderada pressão de doença mostram um baixo potencial de dano das doenças e que uma melhor estratégia de controle químico deve ser elaborada para garantir melhores incrementos em produtividade sob situações de alta pressão de doenças, conforme observado no estudo com a ferrugem da soja, por exemplo.
Além disso, o estudo sinaliza para o uso de critérios baseados em conhecimento epidemiológico e situações de risco como sistemas de suporte à decisão com base em condições ambientais e outros fatores de risco, como têm sido propostos para outras culturas e doenças.
Logicamente a análise apresentada não leva em conta uma série de outros fatores importantes que influenciam na eficiência e benefício de uso dos fungicidas.
Existem alguns trabalhos que mostram benefícios de fungicidas em melhorar os atributos de qualidade do arroz, fator desconsiderado nessa análise.
Outras influências como época de aplicação e data de plantio, que influencia diretamente na pressão de doenças, devem também ser levados em conta.
Um trabalho conduzido no IRGA sobre efeito dos benefícios de fungicidas em função da época de semeadura mostrou… – DANIEL..
Em termos econômicos, o benefício gerado pelo incremento em produtividade com a utilização de fungicidas no arroz no Rio Grande do Sul (produtividade média de 6 ton/ha – IRGA, 2009), com valores atuais do preço da saca do arroz (R$ 28,35/saco), descontando os custos médios dos principais produtos utilizados na cultura classificados por grupo químico, custo de aplicação (aplicação por avião), tem-se um benefício de R$ 496/ha e de R$ 468.07/ha com uma ou duas aplicações de triazóis, respectivamente.
Em função do maior incremento em produtividade, a utilização de duas aplicações sequencias de misturas (T + E) possibilitaria um benefício de R$ 935/ha (Figura 6).
Conclusões
A análise apresentada permitiu reunir de forma sistemática e quantificar os benefícios no uso de fungicidas no controle de doenças nas condições do RS com base em evidências.
No entanto, cabe lembrar que estes valores são derivados da diferença de produtividades em parcelas sem proteção química comparadas àquelas com tratamentos fungicidas onde os danos foram considerados de forma aditiva em função do que foi relatado nos ensaios, não se excluindo a possibilidade de outros fatores causadores de estresse não relatados.
Existe uma série de situações em que os fungicidas podem contribuir na prevenção e redução de níveis das doenças levando a incrementos de produtividade, enquanto que o benefício pode ser menor para outras situações conforme apresentadas.
O diagnóstico apresentado deve servir para orientar a pesquisa na elaboração de estratégias de manejo com base em critérios de aplicação que resultem em benefícios econômicos para os agricultores, racionalização do uso dos produtos e menor impacto ambiental.
Do lado do técnico e agricultor, auxiliar na elaboração de programas de manejo com as opções disponíveis considerando as condições específicas da lavoura em conjunto com outros fatores agronômicos e econômicos.